domingo, 2 de novembro de 2014

Com você

Queria aqui poder falar de qualquer coisa, da simplicidade e da maravilha que é ser um ser humano, que é amar, chorar, sofrer, respirar, sonhar, sorrir. Queria aqui poder falar do mundo que brilha diante de nós e que nos faz brilhar, dos seus encantos e dos cantos encantadores de um passarinho escondido embaixo da janela, ou da sua voz fina e desafinada que vez ou outra arrisca sem perceber alguns versos de amor, ou mesmo daquela canção maravilhosa que ocupa a nossa mente quando ocupamos as nossas bocas com os nossos beijos.

"I think you better close your eyes and let me guide you into the purple rain" Eu só queria ver você se molhar nas águas daquela chuva que nos escondemos sob os cobertores apertados da minha cama...

Eu queria aqui poder falar das infinitas memórias que lutam bravamente contra o tempo e permanecem vivas e sólidas em nossas mentes. Ou mesmo falar da estranha sensação de ver, na mesma pessoa, alguém totalmente diferente do que havia visto no primeiro dia. No nosso caso, as impressões permanecem, e não apenas as primeiras, e que permaneçam para sempre (exceto as marquinhas de dente e alguns pequenos e imperceptíveis roxos no pescoço).

Nossa história foi e é assim; quebramos regras e paradigmas e fazemos o que, supostamente, não deveríamos. Fomos ao cinema sem os nossos pais saberem com quem estamos só para termos o prazer de se beijar no escuro enquanto alguns gritos e suores escorrem na tela do cinema; teríamos nossos próprios gritos e suores refletidos nalguns espelhos suspensos tempos depois, mas naquela noite tudo ficou maravilhosamente bem com um ''eu adoro você, sabia?''.

Éramos proibidos desde o começo, um estilo de Romeu e uma Julieta bastante moderninho, embora fãs do flerte à moda antiga, da fantasia tolkieniana, da filosofia e da vida simples e despreocupada. Gostávamos mesmo era de rir e de cair na grama, e o mundo podia mesmo era acabar ali. Você gostava de implicar com meu boné e elogiar a minha barba e o meu cabelo estranho, enquanto eu me restringia a tentar te beijar em cada esquina e em cada mínima oportunidade.

Era mágico ter você perto de mim. Foi mágico quando a encontrei toda nerdzinha estudando nas mesinhas da UTFPR, com uma réguinha de cachorro que fui obrigado a pegar pra te zoar. Talvez até tenha sido ali que eu constatei que um dos maiores prazeres da minha vida é o de te perturbar e pentelhar.
Foi igualmente mágico quando você disse pra eu não desistir de nós só porque alguém dizia que nós não podíamos ficar juntos. Foi ali, enquanto estávamos sentados no chão gelado do hall da universidade, que eu me senti amado verdadeiramente pela primeira vez na vida. Não havia ouvido, ainda, um eu te amo da sua voz aveludada, mas se hoje sei que amar é também colocar o fardo de outra pessoa nas próprias costas e incentivá-la, tirando forças da alma para fazê-la ir adiante, é porque com meia dúzia de palavras e gestos você me ensinou.

Mas tudo isto aqui, mulher, são só palavras. Eu não vou conseguir falar muito sobre qualquer coisa, porque a barreira do sentir e do dizer me impede, e ainda que fossem a mesma coisa, tantas palavras eu precisaria eu pra descrever a coisa mais simples e mais sublime, que é olhar para o seu rosto enquanto seus olhos brilham e você sorri.

E é então com breves palavras que eu descrevo uma tragédia. Fomos arrancados dos braços um do outro abruptamente, separados pela distância e pelo destino. Fragilizados, buscávamos nos recompor como podíamos, mas nem sempre as coisas aconteciam como antes. Via seu lado ruim, aquele lado que vai além do chulé da sua meia, e você se incomodava mais que de costume com a minha mania de ciumento e de reclamão. Brigávamos, gritávamos e chorávamos, indignados. Brigávamos tanto, não só um contra o outro mas principalmente contra o nosso amor, que chegamos mesmo a pensar que o tínhamos vencido e que era hora de abandonar o ringue. E ele caiu uma, duas, três e tantas vezes.


Mas há um ''quê'' de lógica no amor. Não se abate o imbatível, não se destrói o invencível, não se mata o que insiste em renascer das cinzas.
E como a ave fênix, ele vem lançar vôo sobre nós novamente. A diferença é que, agora, o enxergamos. Cansados, feridos, meio que o domamos. Esperançosos, sabemos que podemos voar lá para as terras onde felizes são os que se deixam cair pelas gramas da praça. E muito além.

E por isso eu te peço, mais uma vez, que venha. Que venha comigo, que segure a minha mão firme o suficiente para não soltá-la, ainda que pareça inevitável. Porque ainda que solte, eu continuarei a segurar a tua para que possamos voar juntos. Porque me foi dito, uma vez, que para ir adiante são necessários sacrifícios, e que não devemos deixar de voar porque pessoas, ou o tempo, ou o destino, ou o que quer que for tenha dito que não devemos.

E eu quero voar com você para a última das estrelas que nós encontrarmos no céu. Não para, com ela, ter uma lembrança tua, que certamente seria especial, mas para, do seu lado, nela fazer moradia. E deitar, e sonhar, e sentir e viver, tudo outra vez. Com você.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

O enunciado da propriedade e o legislativo

O estabelecimento da propriedade, para alguns filósofos, dá-se assim: apropria-se de algo e, na sequência, exclama-se o direito. Declara a obrigação de todos os outros indivíduos a respeitarem-no, sem que, todavia, tenham sido consultados para o seu estabelecimento. O paradoxo deste ato reside na reivindicação um direito que diz respeito aos interesses alheios e que cuja fundação ignora-os. Tal declaração se assemelha muito a daqueles funcionários do legislativo, que declaram o aumento dos próprios ganhos sem que, contudo, este aumento passe pelo crivo de quem os sustenta.

Tais atos não apenas desprezam os outros indivíduos em seus interesses, mas impõe sobre eles obrigações que, muitas vezes, seriam prontamente rejeitadas. Se assim o é, não há legitimidade na propriedade unilateralmente estabelecida e no aumento de benefício de uns sem o consentimento dos mais prejudicados.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

"Fatos morais"

Hoje à tarde, antes da vexatória eliminação da Espanha na Copa do Mundo, eu e minha mãe conversávamos sobre as reformas na cozinha de casa: uma nova pia, um novo balcão, um novo fogão e um novo armário. Minha mãe, uma dona de casa cristã de 57 anos, discursava com alegria sobre o fato de estar renovando o ambiente mais movimentado e importante da casa. Comentou, inclusive, que fez alegre também a "mulher do lixo reciclável", que sempre passa por aqui pra recolher papelão e, de brinde, leva roupas usadas. Desta vez, foi premiada com um fogão e um armário de muitos anos de cozinha.

O curioso é que, na sequência, a expressão do rosto de minha mãe mudou de alegre para séria com um toque de tristeza. Comentou sobre a pobreza da senhora e sobre a existência de pessoas que se satisfazem muito com o que, para nós, é lixo. "Eu fico triste com isso. Nós devíamos todos poder ter as nossas coisas com igualdade" ela diz, talvez sem perceber a profundidade de suas palavras. Eu, tocado, me limito a responder um "É nisso que eu acredito, minha mãe. É nisso que eu acredito..."

Dias antes, numa das mesinhas do CFH da UFSC, eu, um italiano e um uruguaio discutíamos sobre neoliberalismo e sobre as crises inerentes ao capitalismo (estávamos no intervalo de uma aula sobre Marx). O torcedor da Celeste, também de inspiração rawlsiana, se limitara a dizer que "hoje, se você é partidário do neoliberalismo, você não é apenas irracional, você é uma pessoa má-intencionada". Uma frase curta mas que faz sentido, uma vez que é a ausência de controle do mercado e das transações financeiras que gera crises como as de 1929 e de 2008. E a consequência de tais crises não poderia ser mais óbvia: desemprego, instabilidade política, pobreza, miséria, fome...

Comentário que me fez lembrar, claramente, do libertarismo de Nozick que, embasado numa doutrina do direito natural, alega a ilegitimidade de políticas públicas de ensino, de saúde, de distribuição de renda. Um argumento que cria um abismo entre os âmbitos ético e jurídico, entre o que é dever de um indivíduo e o que é lícito a um Estado obrigar.

Muitas objeções poderiam ser feitas a tal doutrina.

Uma de índole rawlsiana é aquela que foi apresentada no Bar de Harvard: não há um direito natural à propriedade, você tem o que você tem apenas porque outros indivíduos, em suas ações, consentem a um conjunto específico de regras que lhe confere títulos de proprietário disso e daquilo. Tal consentimento é, muitas vezes, uma restrição dos interesses de mais alto grau destes cidadãos - abrange, inclusive, a limitação de acesso aos bens mais básicos para a sobrevivência e para uma existência minimamente digna.
Você tem o que você tem por razões históricas que não se fundamentam numa verdade transcedental, no direito divino dos reis, no legitimidade jurídica da herança e da transferência de titularidade...

Impossível também não lembrar de Marx e Engels, que rejeitariam o libertarismo por se tratar, em última instância, de um revestimento de interesses pessoais, da intenção da burguesia de manter seu status de classe dominante e os luxos que a acompanham.

Para mim, no momento, basta acreditar na falsidade do neoliberalismo - nem preciso ir além e, apelando para sua metafísica, alegar uma pretensa universalidade destituída de sentido.

E eu, ao final de tudo, mesmo não sendo um realista moral, tive uma intuição: nós, enquanto pessoas e enquanto cidadãos, temos o DEVER ÉTICO de fazer vigorar instituições políticas, leis e ações afirmativas que promovam a igualdade de renda, a saúde e a educação públicas e de qualidade, a geração de empregos, a garantia de moradias na área urbana e distribuição de terras na área rural, em poucas palavras, instituições que garantam não só o mínimo para a sobrevivência, mas o necessário para uma vida com dignidade e lazer, numa sociedade onde o sentimento de respeito mútuo e de cooperação recíproca exista e que possibilita a seus cidadãos realizar seus planos racionais de vida no mais alto grau.

domingo, 25 de maio de 2014

Peço desculpas, e com sua licença...

Se somarmos o reconhecimento de uma autonomia capaz de romper com a inércia dos acontecimentos, o reconhecimento de um dever (ou de um conjunto de deveres) que deveriam ser seguidos caso se desejasse se tornar um ser humano mais perfeito, a fraqueza da vontade em fazer o que se deve, a imaturidade de um homem, sua capacidade de ferir os outros e um retrospecto de erros e de culpa teremos, no final, uma pessoa refreada. Contida, divagante e irresponsável, que antes de suas ações (contrárias aos deveres que racionalmente aceita) pede licença, e depois, desculpas. "Eu não deveria fazer esta bagunça toda, mas esteja avisada, e com sua licença, eu farei. Fiz, agora perdoe-me porque sou fraco."

O grau de irresponsabilidade e de falta de vergonha na cara destas atitudes é tão grande que sequer me arrisco a mensurar. Não é coragem desrespeitar os deveres, é algo mais próximo da temeridade e da inconsequência. É errado, mas mesmo que não concebamos deste modo. Condenáveis ou não, tais atitudes conduzem à Dor. Dor que não se descreve, que não se compartilha, que as palavras, sempre distantes e insuficientes, teimam em não esgotar.

A Dor é tanta que é capaz mesmo de virar o jogo: e se, na verdade, o que se dá não é a fraqueza de um eu perante seus deveres, mas a força incomparável de sentimentos que teimam em existir? E se a racionalidade consistir exatamente em seguir esses nossos instintos, desejos e paixões selvagens e animalescas, ao invés de um plano de vida que foi deslealmente depositado (talvez por nós, talvez pelos outros) sobre nossos ombros? E se a maturidade não significar fazer o que se deve, mas controlar o que se sente (o que se permite sentir)?

Divagações não impedem ações.

E nestes tempos de escassez de comunicação ainda há aqueles que admiram a sinceridade explícita de um olhar, a magia de um caminhar de mãos dadas, a espontaneidade dos sorrisos que presenteiam o dia a dia. E talvez por admirar o viver simples, a sintonia de almas e estas coisas que só faz quem quer viver e sentir (como bagunçar um quarto, um coração e uma vida) é que o divagante acaba sendo também um agente. Um bagunceiro, bagunçado e inquieto, feliz e triste, um inconstante dos mesmos sonhos. Impaciente, carente, distante e barulhento. Um mal perdedor que quer ganhar o jogo da vida.

Um esperançoso.

domingo, 23 de março de 2014

As sopas da verdade: cozidas, recozidas, enlatadas

"Aqueles que parecem mais preocupados com o que há de mais profundo, esses poderão decerto dizer que a forma é algo de exterior e alheio à natureza da coisa, e esta é tudo o que importa; poderão dizer que a missão do escritor, e sobretudo do filósofo, é descobrir verdades, afirmar verdades, divulgar verdades e conceitos válidos. Mas, se depois de os ouvir, formos verificar como na realidade cumprem essa missão, o que encontraremos será o mesmo velho palavreado, cozido e recozido. Terá esta ocupação o mérito de formar e despertar sentimentos, mas antes deverá considerar-se como uma agitação supérflua. 'Têm eles Moisés e os profetas; ouçam-nos' (Lc 16,29). O que sobretudo nos espanta é o tom e a pretensão que assim se manifestam, como se o que sempre tivesse faltado no mundo fossem esses zelosos propagadores de verdades, como se a velha sopa recozida trouxesse novas e inauditas verdades, como se fosse sempre 'precisamente agora' a ocasião de as ouvir. Por outro lado, verifica-se que um lote de tais verdades propostas aqui é submergido e abafado por outras verdades da mesma espécia divulgadas ali. Como é que se pode distinguir dessas considerações informes e infundadas o que nesse turbilhão de verdades não é velho nem novo, mas permanente?"


Um heraclitiano rejeitaria a possibilidade desta distinção: há sempre velho e sempre novo, nada permanece senão a mudança, e sem se comprometer com a existência ontológica ou fenomenológica do mundo, cremos: tudo flui. E se reclamarem a veracidade ou a importância de uma indagação mais profunda a esse respeito, cito Hume: "Feliz de nós se temos a consciência de nossa temeridade quando tentamos aprofundar nesses sublimes mistérios e, abandonando uma cena tão repleta de dificuldades e obscuridades, retornamos, com decorosa modéstia, à nossa província própria e verdadeira, que é o estudo da vida ordinária (ou o simples viver), onde não nos faltarão problemas com que entreter-se, sem termos de mergulhar num oceano ilimitado de dúvidas, incertezas e contradições..."

quinta-feira, 6 de março de 2014

A maldição do analiticismo

Quando vem a palavra a um divagante livre de jogos de linguagem ele simplesmente a solta. E o analítico puro, em verdade, não o faz deste modo. Este carece duma clareza refinada que vai além do que o simples português pode oferecer. Ele dá nomes, procura regras, impõe condições e critérios de sentido. O analítico está, todos sabemos, tão ligado àqueles seus encostos que sequer considera cabível a existência de outros. Dentre os piores, cito aqueles prolixos e proselitistas que creem ter o mundo na palma das mãos.

E despropositadamente, se puder fazer a analogia da caverna que eles adoram, aqui jaz um deles que, cansado de seus encostos, soltou não de todo as suas amarras e passou a dançar com elas. Não foi à luz, mas foi a janela de sua casa numa noite qualquer e encantou-se o suficiente.

A maldição do analítico não reside em reivindicar a posse da verdade, ou novamente o mundo na palma das próprias mãos, mas apenas em querer ser entendido.

E no instante em que voz escreve, o amaldiçoado irrita-se com a facilidade que lhe aparentam a poesia e a filosofia.
Numa, entendidas as regras, tudo se faz claro e certo e compreensível. Encostável.
Noutra, sem regras, tudo se faz em palavras maravilhosamente.

Difícil, na primeira, são estabelecer as regras. Os filósofos - aqueles que vemos - carecem de público: a própria atividade nasceu numa praça pública. Em sua maioria escrevem para alguém, e mais, dependem de seus alguéns e feedbacks. Amantes das notas, dos números e dos critérios, encostam-se naquilo que se torna, para suas próprias vidas, fundamental - não à toa admiram com tanta soberba suas próprias criações e ilusões.

Na poesia, é dito que não há público alvo. Que o leitor seja responsável pelos sentimentos que advém das palavras e pelo significado que as impõe. A poesia fácil é a sem regras, é a prosa descompromissada. É a que se acha ao redor.

Com o poeta soberbo e amaldiçoado pelo analiticismo se passa que não contenta-se com as regras rígidas d'uma nem com a ausência de público d'outra. Carece-lhe ser entendido e, ao mesmo tempo, o poder para regular suas palavras à maneira maravilhosa da poesia. Fica, portanto, divagando, disforme, e tão estupendamente estufa o peito quando lhe chamam "poeta" que seu ego vai às alturas, cheio de nada. Cheio de lacunas, tão apressado é ao tentar descrever um sentimento momentâneo usando palavras pomposas e encantadoras que conhece, quase numa tentativa de eternizar o provisório e contingente.

O poeta analítico ainda quer as regras, ainda quer os encostos, ainda lhe são belos. O poeta analítico ainda ama o português por si mesmo, ainda contenta-se na filosofia mas ainda crê na sublimidade do simples. Com medo, mais, de não ser compreendido, ele cala, sem tempo, sua mente divagante.

Da prematuridade à eclosão duma sombra

(...)

Hoje a noite marca-se vazia; profundo e ressoante apenas o silêncio que já quase inexiste.
Se a noite carece de amor, por amor ou por dor permanece insólita e fria. Carente de poesia. Carente de mundo e cansada de vida mal vivida. Não vazia, exaurida.

Hoje a noite transfigura-se noutra, menos amarga, dum calor quase acolhedor. Inexpressível e incompreendida, mas agora presente. Hoje a noite toma a forma duma dor que não existe, que não se permite. A forma da dilaceração?

Na noite se apresenta a sombra pouco severa dum dilacerado sem forma. Divagante, pouco errante, amante e vivente. Novamente presente e agora sempre um passo à frente. Sem caos, sem esperança, sem frustração: um soberbo indomado.

Hoje a noite é outra. É das estrelas amarelas e incandescentes, insuficientemente distantes, brilhantes sem o querer de quem as vê. Hoje o vento noturno é genuíno e faz balançar as folhas do pinheiro e o coração de um homem solitário. Mas não sozinho, sem permissão. A solidão exige algo que não se configura já...

Hoje, a noite jaz no aguardo desesperançado do inexistente.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Sobre sentimentos podres e autoperfeição

INTRODUÇÃO

Ao leitor deste texto, requisito uma breve introdução para dois comentários. No primeiro, assinalo a minha dúvida sobre como e onde escrever o que vem abaixo. Pensei, inclusive, em criar um blog novo onde poderia registrar coisas pessoais: mas qual a necessidade de um novo sítio? Poderia fazê-lo tranquilamente com documentos de textos salvos entre as pastas bem organizadas do meu computador (o que também seria perigoso, afinal qualquer um acha qualquer arquivo no meu PC, dada a minha organização... e sim, esta tese já foi confirmada). Veio, ao mesmo tempo, a dúvida sobre qual estilo eu deveria seguir na escrita: se um mais literário e desprendido, tal como tenho feito nos últimos textos, se acadêmico ou se autobiográfico. Decidi apenas escrever, embora acredite que o que irá sair seja algo menos rico em formas linguísticas e mais em conteúdo. Espero, com sinceridade, transparecer o que for possível disto que para mim é algo profundo e esclarecedor.

No segundo comentário, registro a admiração que tenho por pessoas que me tocam profundamente e, dentre estas, por aquelas que o fazem com poucas palavras. Confesso que recentemente precisei ver uma dessas pessoas frente a frente: ficarei triste por não encontrá-la mais com tanta frequência, mas me alegra saber que adquiri a liberdade (ou intimidade) de lhe fazer confissões íntimas e de conversar sobre assuntos pessoais e perturbadores. Afinal de contas, me parece impossível que uma conversa, ou uma música, ou uma poesia, ou qualquer forma de expressão relacionada ao amor seja tranquila o suficiente: sempre haverá uma perturbação, uma agitação, ainda que seja apenas numa respiração mais ofegante ou em uma sutil e breve aceleração dos batimentos cardíacos. Crendo nisso, me espanta como o que foi dito por tal pessoa me tocou tanto, embora não me espante a admiração que se seguiu destas palavras. Não convém, entretanto, divagar sobre estas sem situá-las adequadamente. Dando início à parte mais autobiográfica do texto, sem prever o estilo e esperando que o leitor já tenha identificado, ainda que superficialmente, de que se trata, descrevo o que se passou e se passa nesta cabeça torta.

(Havia também um terceiro a comentário a se fazer, mas lamentavelmente e frustrantemente ele se perdeu nos confins da minha memória. Tal perda não é assim, simplesmente, uma perda: é também um contraexemplo doído às minhas palavras e aos meus elogios...)


AUTO-RELATO SEM ESTILO PREVISTO

Embora goste de registros e confissões, não tenho o intuito de começar um relato pessoal com um "confesso que". Já o fiz outrora e não me julgo negativamente, mas também não quero atribuir ao texto ou ao blog o encargo de um confessionário: que as coisas sejam ditas livre e espontaneamente, sem o chicote do dever de empurrar para fora as palavras.

Pessoas relacionam-se. Pessoas têm sentimentos. Não estou imune à isso, embora às vezes a indiferença social me seja sedutora e embora minha imagem de logicista talvez ainda surja nos confins das fofocas filosóficas londrinenses. Mas que o leitor perdoe o meu narcisismo contido e consciente e também o meu egocentrismo, apenas gostaria de dizer que pego-me às vezes sorrindo, chorando, feliz, triste, alegre, cabisbaixo, amando, odiando, indiferente, vivendo e ora aprendendo, ora não. E me parece natural hoje, que acredito ter me dado conta o suficiente de que sinto, e de que sinto o suficiente, a postura ou ação de aprovar ou reprimir sentimentos.

Não traçarei a etiologia completa desta postura pois me seria impossível esgotá-la em palavras e a memória já me falha. Ela surgiu, entretanto, da constatação de que há ao menos um rumo a ser tomado e de que eu fora curado, nalgum momento, de meu ceticismo avassalador. Entendi que o perfeccionismo é pessoal e que não há mal algum em ter crenças e valores (talvez menos mal do que há em ter crenças e valores impensados, mas apenas talvez). Aceitei que vejo o mundo sob uma perspectiva (a minha) e que não se pode negar que a vida oferece coisas boas. Decidi continuar a viver sem inércia, e nos túneis onde seguia o fluxo da minha vida surgiram luzes. E na junção dessas luzes encontrei uma imagem poderosa: pus em prática, então, um antigo conselho e terminei de moldá-la. E mais: passei acreditar nesta imagem, em sua efetividade, e talvez tenha mesmo passado a amá-la, embora minha modéstia peça apenas para dizer que eu admiro tais e tais modos de ser.

E dentre tais e tais modos de ser, figura o modo daquele que entende e aceita a liberdade das pessoas num distanciamento confortável, seguro e feliz. Pois hoje, vejo que não aceito bem as pessoas como são, não aceito suas ações, seus rompimentos de contratos, suas iras e paixões. Vejo em mim apenas intolerância, conservadorismo, desprezo, ciúmes, inveja, raiva e tantas outras coisas ruins abrandadas apenas pelo meu ceticismo passageiro e pela minha vontade de seguir o rumo da luz.

Destaco, dentre tais sentimentos negativos, o ciúmes, e descrevo na sequência minha crença em sua podridão.

Pois podre é como o ciúmes é chamado por mim sem originalidade visto que, creio, assim o seria caso "O Ciúmes segundo G.K." um dia viesse a ser escrito. E na lama deste sentimento encontrei-me hoje, ontem, por um alguém, por outro, e assim foi. Surpreendentemente, imerso na lama, mal distinguia se o que me causava nojo era a lama, ou eu mesmo, ou o fato de eu estar mergulhado nela. Mas dizer "lama" é leve: há até quem faça terapia com isso. Eu estava mesmo é mergulhado numa piscina de bosta. Merda, da mais suja e fétida e nojenta possível. Quão horrorosa é essa sensação eximo-me do trabalho de descrever e poupo também o leitor do desprazer. Mas daqui, desta minha perspectiva, onde alucinadamente vejo luzes em fins de túneis se fundindo para formar uma autoimagem poderosa e possível que eu talvez ame, enxergo também que a sensação de posse subjaz o ciúmes e se faz presente, com muita frequência, nos relacionamentos humanos.

(A esta altura o leitor pode perceber que o espírito filosófico está encarnando nas palavras. Perdoe-me, ou permita-me falar por nós sem a pretensão de uma verdade universal.)

Muito possivelmente o tema da propriedade mereça não apenas um comentário passageiro num post de blog, mas posts inteiros, artigos, livros e quem sabe uma tese de doutorado. Precisando, indubitavelmente, aparar as pontas desta minha crença que chamo de opinião pré-formulada, apresento-a tão lúcida e frágil e sincera quanto consigo: se entendemos a propriedade como aquilo que não nos pode ser tirado, e aquilo que atribui aos outros o dever de respeitar tal direito, então nós, seres humanos, não possuímos nada ou, para ser ainda mais sincero, possuímos apenas aquilo que se esconde sob a tênue linha que separa o que existe do nada. Se há algum procedimento ou divindade ou teoria que prove, absolutamente, que eu posso chamar qualquer coisa de "minha", ou mais, de "indubitavelmente e exclusivamente minha", então que me seja apresentada ou continuarei minhas dúvidas sobre o possuir.

Entendo, entretanto, que há coisas valiosíssimas escondidas sob essa tênue linha que citei. São elas nossas memórias e nossas vivências: aquilo que somos e que queremos ser, aquilo que sentimos intimamente, que pensamos e que não nos pode ser tirado facilmente.

Pois a experiência mostra que os homens arrancam-se os olhos mas não as lembranças do que foi visto. Roubam-se as mulheres mas permanecem os amores (e as agitações, e as respirações ofegantes e as taquicardias). Quem tira de nós aquilo que tão dificilmente traduzimos ao mundo? Em palavras, em gestos, em vida: quem rouba de nós o íntimo que beira o impossível de ser compartilhado, dado o abismo existente entre eu e a palavra, entre eu e tu, entre tu e os outros e entre todos nós?

E eis aqui uma confissão daquelas que jamais serão vistas em dissertações de doutorado, livros de filosofia e verborragias gananciosas: se creio nesta concepção de propriedade e se assumo que a única coisa que podemos taxar verdadeiramente de nossas são nossas memórias e vivências, dada a sua ligação com nosso íntimo, sua dificuldade em se mostrar aos outros e, principalmente, de nos serem arrancadas como o são diariamente os nossos "pertences", esta crença se deve ao fato de que eu estou, com minhas memórias, numa relação quase que de servidão e submissão. Tenho enorme dificuldade em ordenar meus pensamentos, tenho enorme dificuldade em aceitar que devo ordenar os meus pensamentos e peno com o que se passa na minha cabeça. Confesso, ao leitor, que graças à isso choro e sofro e me sinto dilacerado. Às vezes perco a cabeça; às vezes, para fugir, planto a indiferença e a ignorância, me distraio com a bebida, com Age of Empires, com música ou qualquer tarefa manual. Me é difícil lidar com minhas vivências e memória, e talvez isso se dê ao fato de que esta funciona anormalmente bem. Ela, dentre outras coisas, é causa dos meus surtos e sustos.

Mas nem por isso minhas memórias deixam de ser minhas, e o que me leva a crer que a elas posso chamar de minhas é o fato de não ter encontrado algo que possa ser retirado de mim com a mesma dificuldade. E, se o leitor se cansa já a esta altura do texto, peço desculpas e compreensão: disse no início que tentaria descrever um conteúdo pessoal que para mim é rico, profundo e esclarecedor. Se há dificuldades na leitura é porque as barreiras entre o meu sentir e minhas palavras não foram suficientemente derrubadas, mas talvez isto corrobore a minha tese: de quão meu isto é, e de quão difícil é para mim mesmo retirar de mim e exibir o que considero meu.

Acreditando nisso, consegui retirar um pouco meus olhos e nariz encharcados da bosta fétida do ciúmes e enxergar algumas coisas. Que autoridade tenho eu para chamar qualquer pessoa de minha? Logo eu, que acredito na liberdade da vontade, que odeio contratos mal cumpridos (isto é, cumpridos apenas por inércia ou pelo simples dever de serem cumpridos, sem vontade e sem a motivação legítima que conduziu à sua instauração)? Que poder ou autoridade teria eu para reivindicar a presença de qualquer pessoa a meu lado, e pior, exclusivamente? Nenhuma! Sequer tenho esse desejo e poderia facilmente considerá-lo maligno e até diabólico. Por que, então, deveria eu sofrer em todo aquele fedor e em toda aquela podridão?

O ciúmes é, de fato, um sentimento podre. O ciúmes: este sentimento que, a meu ver, envolve a falsa sensação de que possuímos uma pessoa, de que ela tem para conosco um dever a ser cumprido, a saber, o dever de ser nossa, exclusivamente nossa, ainda que infeliz, carente de amor, seca de vida e sedenta de paixão.

Dei, então, alguns passos à frente em direção à beira do lago podre, ainda atônito mas já enxergando melhor graças à luz de uma memória que se fez presente: recebi, na tarde desta terça-feira, a maravilhosa notícia de que uma pessoa muito importante da minha vida dera um passo decisivo para a realização de seus sonhos pessoais de mais alto nível. E que felicidade genuína eu senti por ela: estaria eu, naquele momento feliz, naquela distância que considerei confortável e segura? Talvez seja apenas uma distância justa, isto é, que faça justiça a tudo o que vivemos e à toda influência que nos exercemos. De qualquer modo, me foi impossível esconder a empolgação, e mesmo sabendo estar ela chamando a outro de "amor", não sofri e não chorei, muito embora minha felicidade por sua conquista quase fosse abrandada não houvesse eu me esforçado em continuar focado na luz, e com os olhos limpos. Agora sorrio por ela, aplaudo e felicito, sem formalidades, sua conquista e sua felicidade.

Por ela já chorei, por ela já escrevi, mas a admirada pessoa que citei no início também estava certa ao dizer que as lembranças vivas e dolorosas do amor morto dariam lugar a lembranças mais felizes, como se caminhassem de um lugar ruim para um lugar bom, cujas portas podem ser abertas sem causar dor a quem abre...

E se posso, genuinamente, ser feliz por ela, porque não posso ser feliz pela felicidade alheia, digo, de qualquer pessoa? Me parece inteligente, portanto, deixar que as pessoas sejam livres como pássaros e deixar que se acomodem umas às outras conforme quiserem e escolherem. Essa deixa, que na verdade é uma aceitação: que amem, que se apaixonem, que vivam intensamente e que façam o que sua bússola do desejo indicar. Aos meus amados e amadas, que sejam felizes e apenas peço que se cuidem. Sequer reivindico presença, sequer reivindico cumprimento de contratos. Sinceridade, apenas, e espontaneidade, mas isso só espero ingenuamente.

Que estar com alguém seja consequência de uma escolha livre: que tal escolha será diária não me restam dúvidas, tampouco que haverão obstáculos dificílimos a serem vencidos, e talvez também haja, como diz Bethânia, um jeito certo de amar, e talvez esse jeito seja apenas beijar a quem se ama, abraçar a quem se gosta e só se doar por paixão...

Agora, mais limpo e com o coração mais calmo, assumo que estou procurando (e talvez aprendendo) como amar, à minha maneira. Assumo também o caráter didático deste auto-relato de estilo imprevisto, e percebo que não estava tão carente de vida e de palavras como pensava estar algumas horas atrás. Então, despeço-me dos leitores sem enfileirar ou denumerar as normas que figuram implícitas nas minhas palavras e nas minhas crenças. Dificulto as coisas para vocês, mas dificulto-as mais para mim: caminhar sobre as pedras e em solos irregulares caleja os pés e fortalece as pernas. Se um dia serei a encarnação daquela imagem mais perfeita que vejo se formar diante de meus olhos não posso agora responder, mas ao que tudo indica, o mundo nunca oferece demais para nossa cabeça, e talvez tudo o que precisemos seja tomar consciência de nossos sentimentos para que posteriormente o conforto, a serenidade de espírito e a força para cuidar de nós mesmos possam se instalar. Afinal, a manutenção de um relacionamento depende muito menos do esforço que despendemos em manter, por exemplo, diálogos forçados e sem sentido, e muito mais do esforço para sermos pessoas diferentes ou melhores, para que tenhamos algo mais, algo que valha a pena ser compartilhado. Ou do esforço para sermos, simplesmente.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Encostos




Que seja uma árvore grande, de raízes profundas, dum terreno suficientemente sólido, que sua sombra seja agradável e que permita um longo cochilo despreocupado sobre e sob suas folhas. Afinal, aquele que quer ver o oco não quer nada além de seguir o ciclo da vida feliz e morrer confortável.

Pensamentos disformes e prematuros

Hoje, a noite marca-se com a falta de lucidez. Serena preguiça de ser, de enxergar e de viver. Com sono e cansaço de nada, com vazio de tudo mas pouco vazio. Com indiferença cega, empatia e felicidade distante, sonho constante, medo do real e do futuro.

Hoje a minha noite delineia-se pouco realista, carente de realidade. Hoje, sem paixão para gritar e para arder, sem dor para sofrer e para reafirmar a vida. Nesta existência monótona, pequena e despreocupada há vida como há fogo na tímida chama que trepida numa vela acesa. Pouca vida, pouca luz que produz muita sombra.

Hoje a noite é cega e perdida sem ver o chão, sem achar sustento no céu, sem ainda o canto dos pássaros que benvindam todo dia recém-nascido. Nesta noite jaz o constante lamentar incompreendido do nada, inalcançável, disforme. Na noite incompreendida jaz o caos que outrora era companhia.

Resta apenas o silêncio mal perturbado: mal se vê o resto.

(...)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O esforço da ordem (ou um texto breve e desordenado para por o leitor em desordem)

Confesso que, hoje, acho desnecessárias todas as minhas tentativas passadas de organizar e enfileirar todos os meus pensamentos de modo a expressá-los de maneira formal e absolutamente inteligível a qualquer jogador meia boca do português. Não é preciso tanto, não agora. Há momentos adequados para exercer a fútil e aclamada formalidade acadêmica, o cacoete filosófico, a verborragia rebuscada e enganadora que nos garante um lugarzinho especial entre os membros da nata intelectual deste mundo. E mais: um futuro promissor entre os doutos filósofos, doutores em coçar o saco - e eu apenas um aprendiz da arte.
Não é preciso tanto, eu estou de férias, coçando-me genuinamente, de modo aceitável, sem enganação. E o caos, que sempre fez chorar os carentes, agora aliado à espontaneidade e ao ócio me é tão belo e sedutor! Não resisto, nem preciso. Nem quero, para ser sincero. Deixe que venha, deixe que se instale e faça da minha existência e das minhas letras a bagunça que quiser.

O caos tem estilo, de fato. Inesperado? Talvez, mas autoconfiante demais. Também não é tudo isso. O caos é um demônio que se cura, facilmente, com pouco ócio e suaves doses contínuas de ateísmo. Não de indiferença, de modo algum! A indiferença e o ceticismo são portas de entrada; uma que fecha é a da ignorância.

Cansa, cansa tanto o barulho do caos que faz sentido a expressão carinhosa de masturbação mental: tanto agito para pô-lo em ordem para, num momento especial, chegar o gozo individual duma conclusão tão obscura e incerta, que antes mesmo de chegar já é fadada a mil adjetivos e a mil considerações. Chega e dura pouco, vai mas não deixa risos ou lágrimas, apenas um ser inútil diante do mundo.

Pois eis que então, destes avanços e recuos desconexos concluo, sem muito gozo, que não vale muito este esforço que a ordem exige. É exigir demais, e eu estou de férias, e na solidão e no ócio o caos me faz companhia.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Uma sutil diferença entre o filósofo e o poeta (...)

Talvez (porque falo de mim) o poeta arrisque-se, quando muito, a falar de si, enquanto que o filósofo, ousado, fala por nós. Confesso que falo com frequência por nós, mas também graças à Deus, e reconheço minha ousadia, minha megalomania disfarçada de vício de linguagem. Com isto, peço ao leitor um perdão antecipado ou uma licença para incluir o plural. O perdão inclui ou aceitação, ou indiferença, ou uma distante empatia (ou todos). Já na licença vem não questionada a inquestionável afirmação de que alguém, no mundo, me entende. E só assim me diminui o desconforto: não o de estar sozinho no mundo, mas o de falar por nós.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Palavras de uma criança mal-educada

Se eu tivesse que elencar uma dentre as coisas que mais me incomodam neste blog, eu indicaria a dificuldade que tenho em iniciar um texto. Talvez (e eu digo esse talvez não como uma suposição mas como uma autossabotagem, isto é, como uma tentativa de auto-ilusão de que o que eu vou dizer na sequência não é necessariamente verdade) minha mente seja tão caótica e tão desordenada, e talvez este caos e esta desordem se acentuem tanto com o álcool e com os sentimentos da noite que o momento em que eu não tenho mais escolhas senão desabafar, divagar, falar merdas e deixar registradas as minhas esquisitices e as minhas infantilidades seja inevitável.

Pois este post é dedicado a você, e é exatamente assim (como uma criança) que eu me sinto. Tal é a dilaceração do meu eu que não consigo encontrar a mínima falha em tuas ações. Aprovo-as, aprovo-as todas. Tu estás a fazer exatamente como eu gostaria que tu o fizesses há um mês ou pouco mais.
Acontece que, na falta de um termo melhor ou, mais provavelmente, na falta de um português mais rebuscado (como o teu), carece-me uma palavra mais adequada para classificar-me. E se me chamo "criança" é porque na verdade considero-me um indivíduo muito mal-educado emocionalmente.

(Preciso abrir um parênteses para fazer uma observação, embora tu sejas livre para refutá-la ou ignorála o quanto quiseres. Veja, veja este lado de mim. Este lado obscuro que tu não conhecias e que provavelmente não conheces. Por acaso haveria algum modo de tirar de mim (ou de nós) a razão? Não acredito que conhecias esta faceta do meu ser, ébria demais para deitar-se e dormir e, ao mesmo tempo, sóbria demais para manter-se calada. Dilacerada como uma alma penada, como uma fruta seca pisoteada por mil cascos de mustangues, mal orientada como uma criança que acabara de aprender a andar, que acabara de abrir os olhos para o mundo.)

Pois sim, este sou eu. Uma criança que crê saber o certo, mas que carece: ou de uma crença mais forte, capaz de torná-la íntegra e de expulsar os demônios que atormentam sua mente, ou de um pouco mais de álcool, visto que sente-se menos impelida a escrever o que quer que seja do que há uma hora atrás.
Acredito, piamente, que a falta de álcool seja mais facilmente superada.

Não, eu não a desejo de volta, embora ainda pense em ti e, nos sonhos que rotulo de "mais sujos", ainda a deseje.
Sim, você ocupa a minha mente. Mas por favor, continue sendo quem tu estás a ser. Continue fazendo o que tu estás a fazer, continue a ser feliz como tu me dizes. Ao me dizer isto tu me tranquilizas, muito mais do que tu serias capaz de imaginar.

Eu tenho tantas dúvidas, e às vezes os demônios da minha mente me atormentam tanto que também me é um tormento me convencer de que eles não existem de fato.

É certo, entretanto, que não a amo mais. É certo, também, que tu e também eu, por que não, merecemos o amor.

Sou o único culpado de minha curiosidade e, concomitantemente, culpado pelas palavras que saíram não de minha boca, mas da boca de um amigo em comum.
Desculpe-me se quis saber demais, mas tive de perguntar. Anseio o melhor por ti e, sinceramente, acalma-me a alma saber que não estás a sofrer mais por mim... Acalma-me, acalma-me tanto! Sinto-me responsável pelos teus sentimentos, tu conseguistes entrar o suficiente em minha mente com aquela história de que nos tornamos eternamente responsáveis pelo que cativamos.

Mas não, não chores por mim. Nunca mais.
Não me rebaixo diante de ti, não peço a tua mão de volta.
Se tu me apertasses o bastante ou me conhecesses o suficiente, saberia que, na verdade, sequer tenho motivos sólidos para escrever-te estas palavras.

Ando, se tu quiseres saber, muito mais perdido nos últimos dias do que andei em toda a minha vida. Mas não por culpa tua, e nem o poderia ser. Cheguei mesmo a procurar (agora) dentre os e-mails e posts de facebook e deste blog uma definição capaz de abranger tal perdição, mas a busca foi vã. E ainda que não queiras saber, explico genericamente: careço, definitivamente, de qualquer valor que tu possas imaginar. Não bato martelo algum, sou empático e, ao mesmo tempo, indiferente a tudo e a todos. O perspectivismo e o ceticismo pegaram-me pouco prevenido e levaram consigo o meu chão. Não, não nego mais o teu aborto que tu tanto erguias (e talvez ainda ergas) a bandeira. Não nego penas de morte, não nego assassinatos por pura vingança. Não considero piores as paixões desenfreadas e as ações mal instruídas. Entendo as pessoas num distanciamento que me é ao mesmo tempo confortável e frágil.

Sim, sinto-me extremamente frágil. Tu sabes o quanto fui sensível, mas isso se intensificou nos últimos dias. Não ouço a música, nem as pessoas, nem o mundo que me cerca com os mesmos ouvidos. Não vejo nada com os mesmos olhos: na verdade, parece que, até há pouco, não enxergava nada. Sinto que meu coração não bate à toa, sinto que minha vivência não é apenas um acaso e que, ainda que isto seja autossabotagem, estou tão excitado em mergulhar no mundo e viver. E conhecer, e absorver tudo quanto possível.. Nunca as notas do meu celular estiveram tão lotadas, e nunca em meu notebook figuraram indicações de livros de poesia.

Perdoe-me se divago. Mas acredito que, se tu és capaz de perdoar-me por mil coisas que já fiz, também serás capaz de perdoar o meu ser prolixo.
Apenas senti saudade e vontade de escrever-te, na impossibilidade (imposta a mim por mim mesmo) de te ver.

Desejo o melhor para ti, do fundo do meu coração dilacerado,
do fundo do meu ser que caminha sem solo firme por este mundo tão plural e tão rico em coisas férteis e inúteis.
Desejo que continues a ser feliz como estás a ser, e espero que realmente o estejas a ser. E se tais palavras preocuparam-na, despreocupe-se: a maturidade um dia há de fazer morada em meu caráter.

E ainda acho que tenho um mínimo de intimidade para despedir-me de ti assim, pela última vez, com
um beijo. E uma lágrima escondida sob o nó de minha garganta.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

On Wings of Destiny


Day has gone but I'm still here with you
my sweet rose my green hills
beloved sea, lakes and sky
beloved mother earth

Silent land erase my thoughts
I wanna lose myself in you, all in you
caress me and my soul while I close my eyes

On wings of destiny
through virgin skies
to far horizons I will fly

Dear peaceful land, dear mother earth
caress my soul while I close my eyes

On wings of destiny
through virgin skies
to far horizons I will fly


http://www.youtube.com/watch?v=NVbJwOp7xBs