quinta-feira, 6 de março de 2014

A maldição do analiticismo

Quando vem a palavra a um divagante livre de jogos de linguagem ele simplesmente a solta. E o analítico puro, em verdade, não o faz deste modo. Este carece duma clareza refinada que vai além do que o simples português pode oferecer. Ele dá nomes, procura regras, impõe condições e critérios de sentido. O analítico está, todos sabemos, tão ligado àqueles seus encostos que sequer considera cabível a existência de outros. Dentre os piores, cito aqueles prolixos e proselitistas que creem ter o mundo na palma das mãos.

E despropositadamente, se puder fazer a analogia da caverna que eles adoram, aqui jaz um deles que, cansado de seus encostos, soltou não de todo as suas amarras e passou a dançar com elas. Não foi à luz, mas foi a janela de sua casa numa noite qualquer e encantou-se o suficiente.

A maldição do analítico não reside em reivindicar a posse da verdade, ou novamente o mundo na palma das próprias mãos, mas apenas em querer ser entendido.

E no instante em que voz escreve, o amaldiçoado irrita-se com a facilidade que lhe aparentam a poesia e a filosofia.
Numa, entendidas as regras, tudo se faz claro e certo e compreensível. Encostável.
Noutra, sem regras, tudo se faz em palavras maravilhosamente.

Difícil, na primeira, são estabelecer as regras. Os filósofos - aqueles que vemos - carecem de público: a própria atividade nasceu numa praça pública. Em sua maioria escrevem para alguém, e mais, dependem de seus alguéns e feedbacks. Amantes das notas, dos números e dos critérios, encostam-se naquilo que se torna, para suas próprias vidas, fundamental - não à toa admiram com tanta soberba suas próprias criações e ilusões.

Na poesia, é dito que não há público alvo. Que o leitor seja responsável pelos sentimentos que advém das palavras e pelo significado que as impõe. A poesia fácil é a sem regras, é a prosa descompromissada. É a que se acha ao redor.

Com o poeta soberbo e amaldiçoado pelo analiticismo se passa que não contenta-se com as regras rígidas d'uma nem com a ausência de público d'outra. Carece-lhe ser entendido e, ao mesmo tempo, o poder para regular suas palavras à maneira maravilhosa da poesia. Fica, portanto, divagando, disforme, e tão estupendamente estufa o peito quando lhe chamam "poeta" que seu ego vai às alturas, cheio de nada. Cheio de lacunas, tão apressado é ao tentar descrever um sentimento momentâneo usando palavras pomposas e encantadoras que conhece, quase numa tentativa de eternizar o provisório e contingente.

O poeta analítico ainda quer as regras, ainda quer os encostos, ainda lhe são belos. O poeta analítico ainda ama o português por si mesmo, ainda contenta-se na filosofia mas ainda crê na sublimidade do simples. Com medo, mais, de não ser compreendido, ele cala, sem tempo, sua mente divagante.

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