segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Divagações sobre a simplicidade, a erudição e o ato de mandar tudo se foder

Querido mundo.

Às vezes tenho vontade de dizer "me desculpe por frustrá-lo", "eu não sou assim, nem sou tudo isso", "você devia esperar menos de mim"; às vezes, quero mandá-lo tomar no cu.

Seria uma mentira afirmar que tenho adotado a postura do "foda-se!"-nas minhas atitudes recentemente, mas tenho tentado entendê-la. E é claro que esta tentativa de entendimento pode também ser um pecado, afinal não só existem coisas incompreensíveis mas também aquelas que não devemos despender esforço algum para compreendê-las. Na incapacidade de enquadrar o "foda-se!" na primeira ou na segunda categoria, busco desconfiante e esperançoso alguma luz que me atraia para tal postura, visto que admiro-a.

E se estou desconfiado, é porque o "foda-se!" é uma postura simples demais e talvez intangível aos espíritos eruditos, filosóficos e insensíveis do século XXI (graças à sorte e à juventude ainda estou livre desta desgraça!). É um ato espontâneo e quase impensado, momentâneo e conclusivo. Desgostam da tua roupa? Condenam as tuas atitudes? Frustrastes as expectativas alheias? Falhastes como amigo, namorado, amante, ficante, estudante, professor, filho, companheiro de quarto, músico, filósofo, escritor, poeta e jogador de vários jogos?

Não sei se tenho pena de mim ou do mundo, ou se eu e os outros e as coisas somos apenas uns fodidos largados às traças, abandonados nesta putaria desordenada e nem-sempre-sem-sentido que chamamos de vida. Mas seria pedir muito para que o mundo entendesse o "foda-se!". O mundo não entende nada, o mundo é conservador e ditador, quer as coisas a seu modo, esconde preciosidades e impõe implicitamente as regras que você demora anos pra tornar nítidas pra você, e tudo isso pra quê? Pra que elas lhe sejam cuspidas na cara de novo, menos impiedosas e nem por isso mais frágeis. E é aí que você pensa: eu era feliz naquela merda de vida inconsciente e inocente que eu levava. Eu era feliz acreditando no certo e no errado, na bondade dos seres humanos, na felicidade escondida num balde de long necks que o pobre garçom traz às três horas da manhã, e também na ressaca e na conversa com os amigos que relembram a balada da noite anterior.
Eu era feliz acreditando que devia comer todo mundo e ser feliz para sempre, e fui feliz depois quando entendi (aleluia, graças à Deus e aos anjos) que a felicidade residia em fazer uma única pessoa feliz para o resto dos dias, ainda que isso fosse praticamente impossível e que custasse toda minha energia. Talvez eu fosse feliz assim, sem saber, sem enxergar, e especialmente sem pensar.

Mas, se me perguntassem agora: "Danilo, o que você tem a declarar?", eu, um pouco suado e ofegante, diria que foda-se. Assim mesmo, sem ponto de exclamação, sem tanto vigor, como um suspiro solto após um longo dia de trabalho. É isso mesmo. Foda-se. Eu estou cansado.

Talvez (eu supondo, mais uma vez), as merdas sempre comecem quando começamos a pensar demais. Too much blood in your brain, you know. Há um contato com a simplicidade e com as pulsões primitivas (alguns dizem naturais) que se perde neste momento: um brinde de água suja à sapiência do Homo que se esquece como ser um animal! Isto é tautológico: a admiração irrefletida termina quando inicia a reflexão, e a simplicidade com a erudição. Para-se a dança, a jam, a caça, o beijo, a contemplação estética: o sendo torna-se sido para dar lugar aos juízos e às indagações. E se é a isso que se resumem as minhas vivências e se é a isso que estou preso, mas que grande merda de vida é a minha! Preferiria mil vezes eu ter nascido um cachorro: eu viveria livremente, ainda que preso às correntes de minhas pulsões de sobrevivência e de prazer.

Mas aparentemente há muita força no "foda-se!", e essas indagações não são incômodas por si mesmas, mas o são porque estão deslocadas. Surgem em momentos desnecessários, inesperados e não são bem-vindas como as chuvas de verão em fins de tardes ensolaradas. Todas elas, entretanto, farão sentido, terão razão de existir e justificarão sua presença neste blog se me conduzirem de volta à primitividade, à simplicidade, à admiração não erudita e compulsória, à irreflexão e à contemplação imediata. Devolvam-me a vida que eu quero levar! Conduzam-me novamente ao estado do qual não gostaria de ter saído! Corrijo: vocês existem para ordenar o meu mundo, não para me dilacerar e incomodar; vocês mandaram bem quando me apresentaram o lado B da vida, o lado não ditador e não conservador, o lado sem regras e caótico e também o que está além da ordem e do caos, mas sumam da minha cabeça! Preciso endireitá-la, e se para garantir tal retidão eu precisar optar ou pela erudição ou pela rusticidade, eu opto pela segunda! E foda-se!

[Aguardando a ambiguidade do título tornar-se voluntária]

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Sobre as coisas que sustentam as "verdades" do mundo

Me incomodam as "verdades" do mundo.
Me incomoda a história, a lógica e mesmo a filosofia. Me incomoda a psicologia, a sociologia e as ciências de um modo geral.
Me incomoda o determinismo, a religião e também o ceticismo.
Me incomodam as verdades do mundo.

Existe uma tendência difundida implicitamente entre os humanos, quase como uma religião ou uma conspiração demoníaca, de buscar causas para tudo. Procuramos fechar todos os elos da cadeia, preencher todas as variáveis com constantes conhecidas de vários tipos: observáveis, fantasiosas, dogmáticas. Queremos porque queremos entender tudo, esgotar a infinidade do universo e da existência e colocá-la na palma de nossa mão para dizer: "Eu sei! Esta é a verdade!" Mas que verdade está isenta do perspectivismo?

Não é rara a idolatração e a busca por essa "verdade" ou mesmo por esse "método que conduz à verdade". Encaixamos as nossas vivências numa maneira de enxergar o mundo: essa é a nossa vida. Mas não necessitamos, por mais racionais, evoluídos, supremos e absolutos senhores da sapiência e da sabedoria acreditar, em todos os momentos, que essa explicação, método, instrumento ou coisa (doravante sempre coisa) é universal, una, infinita, válida e verdadeira, que encontramos o tão famigerado "ponto de Arquimedes" que sustenta e esgota a vida, a existência, a consciência, os objetos, os fenômenos, o universo, o infinito, a ordem e o caos.




Nozick, embora ingênuo por conferir existência, realidade e verdade à uma entidade fantasiosa, teve alguns insights geniais. Que necessidade a nossa de fechar tudo num pacote, de amarrar todas as pontas, de purificá-lo, desbastando todas as pontas soltas, lixando-o, pintando-o com as cores que queremos que ele tenha (e não com as cores que vemos) para, no fim, encontramos a melhor perspectiva, tirar uma foto e mostrar aos outros! Mas que bela obra de arte e que bela autossabotagem a nossa!

Pergunto-me, às vezes, se precisamos realmente entender todas as coisas do universo. Se precisamos explicar todas as nossas ações, comportamentos, caracteres e estados usando a conexão entre causa e efeito, a lógica, a metodologia científica ou qualquer outra coisa ou coisas. Antes de fazermos tais inferências, não seria mais plausível indagar sobre a extensão e a fertilidade desses instrumentos, desses gêneros parciais, isolados, geniais da própria perspectiva mas também ingênuos modos de possuir o mundo?

Pelo que vejo os humanos são, por sua vez, demasiado pretensiosos e poucos se dão conta disso. São preciosos, caprichosos e orgulhosos demais para aceitar sua inferioridade, quiçá a ordinariedade desses instrumentos que utilizam para enxergar o mundo à sua volta. Se é que enxergam: parece-me, às vezes, que jogam muito mais luz às coisas que os cercam do que deixam a luz dessas coisas atingir seus olhos e agitar o seu espírito. Uma herança copernicana e kantiana, iluminadora demais e iluminada de menos. Escrevem livros sobre "A Estrutura Lógica do Mundo", sobre a "Fenomenologia Transcedental", discordam infinitamente sobre o conteúdo de suas proposições mas sempre dizem: isto é assim; isto é assado!

Particularmente, assumo que mesmo estas verdades, ou instrumentos, ou pontos arquimedianos, ou simplesmente coisas são necessárias e que, às vezes, apoio-me nelas como que por instinto, por convenção, por inércia ou mesmo sem razão (quão irônico seria eu agora buscando as razões pela qual me apoio nestas coisas). E embora eu me enxergue nesse estado que considero ingênuo e soberbo, tal fato nem sempre me traz incerteza e insegurança, não dilacera o meu espírito e não destrói as minhas razões de existir. "Está é a vida", digo eu pra mim mesmo. Sigo em frente no corredor da vida apoiando-me nas colunas mais frágeis e nas paredes mais tensas (porque talvez não existam paredes e colunas firmes para se apoiar, mas quem se importa?). Não sei se são necessários tais encostos, mas minha existência não prescinde deles. Não agora, e nem sei se no futuro: ausento-me da tarefa divina de me impor o dever de abstinência das coisas. Entretanto, às vezes também creio serem elas desnecessárias, e ridícula e demasiado pretensiosa essa postura de pôr tudo na palma da mão. Por que não sentir antes de tentar entender? Antes de buscar ordem, por que não vivenciar o ordenamento e o caos? Antes das razões para a existência, dos deveres e da prescrição do perfeito, por que não a dilaceração da alma, a imoralidade, a perplexidade e a liberdade? Por isso não me incomoda a música e a poesia que tão recentemente abri os meus olhos. Por isso não me incomoda a arte, a literatura, o simples viver, a existência irrefletida, a natureza, os animais, o mundo tal como ele é: cheio de vida e de inesgotáveis sublimidades que perpassam todos esses nossos instrumentos chulos de tentar entender e possuir a existência e a verdade.


domingo, 8 de dezembro de 2013

Por que tentar ter o mundo na palma das mãos?

"A falsa ilusão de que o destino da vida está assegurado em nossas mãos é que cria espaço para a culpa."

http://papodehomem.com.br/os-mecanismos-da-culpa-id-8/

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O Caos Vespertino

Há coisas que passam pela cabeça dos homens capazes de fazê-los ficarem acordados por dias. Há coisas, do mesmo tipo, que os impedem de tirar seu cochilo vespertino. São tantos os acontecimentos e sentimentos que muitas vezes divagações são necessárias. A esse fenômeno os filósofos dão o nome de catarse, o ato de vomitar ao mundo todas as indecências, o descontrole, os desentendimentos interiores. Dilacerações.

Que se passa na cabeça de um homem quando pensa em seu futuro? Quando pensa em se mudar, em seus amigos, família, namorada, faculdade. Quando pensa no que fez e no que poderá fazer, quando pensa nos bens que o cerca: o que levará consigo e o que deixará para trás? Não tem nada senão suas lembranças e estes pensamentos desordenados que o rodeiam.

Que se passa na cabeça de um homem quando tenta distinguir o essencial do supérfluo, o eterno do passageiro, o bom do ruim? E em que estado de ânimo entra um homem ao se deparar com a fragilidade e a pouca sobriedade dos critérios que utiliza para avaliar sua vida?

Este: este é o homem dilacerado. O homem que não bate o martelo, que não afirma o dever, que não sabe o certo. O homem que vive simplesmente, que vai sem saber um rumo certo, mas ainda vai. Se move: inconstante. Um andarilho entre todas as suas experiências e todas as suas vivências. Não seria ele uma criança incapaz de compreender o mundo e que precisa de tutores? Ou talvez um lógico frustrado com a  ilogicidade do mundo, das pessoas, da vida? "Somos capazes de dizer amor e fazer amor sem amor", pensa; "recebemos promessas de amor que na verdade são contratos". Ah, o amor, sempre ele: uma dessas coisas caóticas que perturbam os homens e que lhes afasta o sono.
  
Mas o caos não é culpado do amor e do não-amor. O caos existe no espírito inocente, que não entende. Que vive, que sente, que chora e que morre, mas que não entende. Tenta, divaga, desiste e volta a deitar. Pensa, perde o sono e volta a escrever. Sem razão, sem ordem, sem nexo. Um absurdo contraditório redundante a vida destes homens dilacerados. Destes homens sem critérios e sem chão, destes seres sensíveis e, ao mesmo tempo, indiferentes. Destes sem juízos de valor, céticos sem opção, descrentes por uma consequência da natureza. Para estes descrentes, dilacerados, imaturos, andarilhos; a estas crianças, sonâmbulas, logicamente frustradas, frágeis e pouco sóbrias não há chão, mas como que apenas um fio capaz de conectá-la novamente à sua existência e de dar sentido à sua vida. E é a este fio a que podem agarrar-se: serão livres dos dois modos. Que possuem verdadeiramente senão suas memórias? Quem pode abdicar de suas vivências?


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Deus, Carnap e a filosofia para o Nada

Uma das tarefas da filosofia analítica, uma corrente filosófica da contemporaneidade, é a separação entre os discursos significativos e os discursos não significativos. Em outras palavras, o que os filósofos analíticos queriam era esclarecer a diferença entre as ciências naturais e outras áreas do conhecimento, como a filosofia, a teologia, a literatura e assim por diante.

Carnap foi um dos teóricos mais importantes e radicais desta corrente, e que levou mais a sério esta tentativa de separar discursos significativos de discursos não significativos ou discursos sem sentido.

Em resumo, a proposta dele é o seguinte:

Pegue uma sentença qualquer, seja uma sentença das ciências naturais, da matemática, da filosofia, da literatura ou qualquer que seja.

1) Identifique os nomes (próprios e comuns) que ocorrem nessa sentença e veja se a definição desses nomes está direta ou indiretamente relacionada à experiência.

Explico.

Quando se diz: Esta mesa é redonda, todo metal quando aquecido se dilata, artrópodes possuem extremidades articuladas, etc etc etc, a atribuição do valor verdade ou falsidade de cada proposição é possível simplesmente confrontando o pensamento expresso por cada sentença com os fatos do mundo empírico.

Sendo mais direto:

·         pegue a porra da mesa
·         olhe se a porra da mesa é redonda ou não é.
·         Se for, então (V) para "a porra da mesa é redonda"
·         caso contrário, (F) para "a porra da mesa é redonda"
·        Se o predicado aplicado à mesa em questão for um predicado não verificável empiricamente, tipo "a mesa nadifica", "a mesa é", "a mesa estuda em Marte quando nenhum ser humano está à sua volta", então as sentenças nas quais esses predicados aparecem não são significativas.

Há outros pormenores do critério, mas são mais simples e enunciarei brevemente:

2) A sentença deve estar OK do ponto de vista sintático, conforme a lógica clássica e a linguagem na qual ela foi construída, e

3) A sentença não deve incorrer no erro de tipos.

Por exemplo: O Pablo é um número primo.

Estou mastigando e possivelmente expondo a coisa de maneira mais "chula" do que ela é. Mas embora pareça trivial, esse critério de significado rejeita que se possa fazer conhecimento com diferentes tipos de proposições.

As proposições da matemática e da lógica são sem significado, porque não derivam da experiência.
As proposições da metafísica são sem significado, porque não derivam da experiência.
As proposições da teologia, da ética, da arte, etc. não são significativas e, portanto, não podem ter um valor de verdade ou de falsidade.
Há ressalvas para a lógica e para a matemática que não citarei aqui.

Chegando no assunto de Deus:

"Outro exemplo é a palavra "Deus". Devemos aqui, exceto as variações de seu uso em cada domínio, distinguir o uso linguístico em três diferentes contextos ou épocas históricas que, no entanto, sobreporam-se temporariamente. Em seu uso mitológico, a palavra tem um significado claro. Ela, ou palavras paralelas em outras linguagens, é algumas vezes usada para denotar seres físicos que são entronados no Monte Olímpo, no Céu ou no Hades, e que são dotados de poder, sabedoria, bondade e alegria em maior ou menor grau. Algumas vezes a palavra também se refere a seres espirituais que, de fato, não possuem corpos humanos, mas se manifestam de algum modo em coisas ou processos do mundo visível e são portanto empiricamente verificáveis. Em seu uso metafísico, por outro lado, a palavra "Deus" refere-se a algo que excede a experiência. A palavra é deliberadamente despojada de sua referência a um ser físico ou ser espiritual que é imanente no [mundo] físico. E como não é dado um novo significado, ela torna-se sem significado. Para ser exato, frequentemente parece que a palavra "Deus" tem um significado mesmo na metafísica. Mas as definições que são postas revelam-se, numa inspeção cuidadosa, pseudodefinições. Elas levam ou a uma combinação logicamente ilegítima de palavras (trataremos disto mais tarde) ou a outras palavras metafísicas (por exemplo, "base primordial", "o absoluto", "o incondicionado", "o autônomo", "o autodependente" etc), exceto no caso das condições de verdade de suas sentenças elementares. (...)

O uso teológico da palavra "Deus" está entre seu uso mitológico e metafísico. Não há significado distinto aqui, mas uma oscilação entre um dos dois usos antes mencionados. Muitos teólogos possuem um conceito claramente empírico (em nossa terminologia, "mitológico") de Deus. Neste caso não há pseudo-enunciados; mas a desvantagem para o teólogo está na circunstância de que, de acordo com esta interpretação de que os enunciados da teologia são empíricos e, portanto estão sujeitos aos julgamentos da ciência empírica. O uso linguístico de outros teólogos é claramente metafísico. Além disso, outros não falam de forma definida, seja porque eles agora seguem isto, este uso linguístico, seja porque eles se expressam em termos cujo uso não é claramente classificável, pois tende em direção a ambos lados."

Onde eu queria chegar com isso tudo:

Não é possível aceitar o critério de significado de Carnap e ainda assim ter um posicionamento ateísta com relação a Deus ou a outros seres metafísicos. Se o ateísmo for entendido como a falsidade da proposição "Deus existe" então o ateísmo, de acordo com esse critério, não faz sentido. Nem mesmo o teísmo e o agnosticismo fazem, se se entender por agnosticismo a ausência de condições suficientes para corroborar ou para refutar definitivamente a existência ou a inexistência de Deus.

Dizendo mais: com o critério de Carnap, tem-se um novo posicionamento acerca da religião e da existência de Deus:

(V) Deus existe
(F) Deus existe
(?) Deus existe

e a nova posição:

"Deus existe" carece de significado e, portanto, não pode ser verdadeira nem falsa. A questão da existência e da inexistência de Deus não é uma questão genuína e "Onde não há questão, nem mesmo um ser onisciente pode dar uma resposta."


(retirado do facebook)


E para quem eu dedico este breve esforço intelectual de expor um dos meus objetos de estudo?


Para o Nada.


E o que, quem, como, onde e porque o Nada?

Não há NADA mais frustrante na existência de um ser humano do que a indiferença e a incapacidade alheia de compreender e de reconhecer a importância daquilo que lhe é importante.

Por que cachorros? Por que números? Por que hambúrgueres? Por que leis? Por que células? Por que átomos, moléculas, fórmulas, vegetais, computadores, notas musicais, cédulas de dinheiro, farinhas de casca de banana e tintas para cartuchos de impressora? Por que nunca a filosofia? 


O que ocorre com a filosofia? Nada? NADA?

O Nada existe apenas porque o Não, isto é, a Negação existe? Ou ele está de outra forma em volta? A Negação e o Não existem apenas porque o Nada existe? Afirmamos: O Nada é anterior ao Não e à Negação... Onde devemos procurar o Nada? Como descobrimos o Nada. Conhecemos o Nada. A antiguidade revela o Nada. Por causa disso e porque houve os antigos, havia 'realmente' – nada. De fato: o Nada em si mesmo – como tal – estava presente. O que ocorre com o Nada? – O Nada em si mesmo nadifica.

E a filosofia continua. Nadificando a existência dos vazios, incompreendidos, irreconhecíveis e injustiçados aspirantes à filosofia...

(word atento à falha do nadifica)

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Fair Reciprocity

An uncouth and a liberal enter in a bar.

The uncouth asks:

- "Why  limit  myself in  pursuit  of my own advantage?"

The liberal answers:

-  "You  have what you have only because others  constrain themselves,  in ways  that  make  for  a  fair  cooperative  venture  for  mutual  advantage. Constrain  yourself  by  those  rules  in return,  and  you give them fair return  for  what they give  you."

- But my natural right to property....

- Did you hear "you have what you have only because others agree to constrain themselves"?

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Eu quero ver o oco uno

Eu, como pessoa, tenho uma visão limitada do mundo.

Essa afirmação não é tão assustadora, afinal ouvi falar de uns caranguejos aí que enxergam mais cores que eu, incluindo a radiação emitida pelos corpos e outras imagens que não sei descrever bem por não conhecê-las e não enxergá-las.

De qualquer modo, acredito que minha sensibilidade seja limitada. Tudo o que recebo passa por esses filtros  dos sentidos e, de alguma maneira, formam imagens, sons, gostos, conexões, frases e formas na minha mente.

O curioso é que, mesmo ciente desse processo limitado de criação de representações mentais, eu, enquanto pessoa, ainda busco o ilimitado, o universal, o quid, o ser, o eterno.
Eu quero ver o oco.

Essa busca pode soar vã, mas é cheia de sentido e necessária para a existência.

Faço várias suposições.
Suponho que a ciência é a sistematização de conhecimentos com alto grau de confiabilidade.
Suponho que existem outras pessoas e objetos no mundo com exceção daqueles representados na minha mente.
Sinceramente, eu acho saudável acreditar que existem pessoas e objetos no mundo. Acho saudável acreditar que existem coisas fora de mim, acho saudável acreditar que isso tudo não está saindo de dentro de minha mente maluca, que o mundo não é representado diante de meus olhos e de meus outros sentidos como um filme é apresentado numa tela de cinema. Bem, algumas vezes eu duvido disso e duvido também da minha sanidade. Espero seguir o ciclo da vida feliz e morrer confortável.

Se eu estiver certo nessas suposições e estiver certo ao acreditar que os objetos externos perturbam meus sentidos de alguma forma e são causa das representações mentais que tenho, então talvez eu também esteja certo em acreditar na limitação dessas representações (por causa do caso do caranguejo lá em cima). Assim, tudo o que tenho é uma visão limitada que não aspira nada senão o infinito.

Não consigo explicar a necessidade dessa busca pelo incondicional, infinito, imutável, verdade, ser, universal, oco, quid. Se é uma disposição natural de minha existência enquanto ser humano, eu gostaria de me conhecer o suficiente para entender sob quais aspectos essa disposição se apresenta.
Parece-me mais confortável, entretanto, acreditar nessas coisas, além mesmo de supor que existem. Parece-me confortável acreditar na ciência como conhecimento certo, seguro e absoluto. Parece-me confortável acreditar na religião como conhecimento certo, seguro e absoluto. Parece-me certo acreditar numa visãozinha limitada, disforme, distorcida e chula dessa realidade como a verdade absoluta.
Não sei porque, isso talvez faça com que encostemos a cabeça no travesseiro e tenhamos uma noite de sono mais tranquila, ou talvez evite que apertemos o OFF e encerremos o filme.

Se é assim, então, o conteúdo de minha mente é fruto de uma junção entre as representações advindas do externo e dos dados já presentes em minha memória.
Entretanto, mas, porém, todavia
Eu não tenho consciência de tudo o que está dentro de minha mente. Tanta coisa perturba e tanta coisa já perturbou meus sentidos que eu me sinto, no sentido pouco amplo da palavra, perturbado. Essa perturbação é passageira: vem, vai, incomoda, às vezes parece insuportável, às vezes acho ridícula e às vezes nem lembro que existe.

A infinidade de representações que já passaram na minha mente é irrepresentável e insondável, bem como a sua influência nas novas representações mentais que se seguirão e nas minhas ações, dentre elas na minha escrita e fala.

Tudo é fruto de uma perspectiva composta de elementos insondáveis, com certo grau de complexidade e em boa parte ininteligíveis.

Curioso é achar que isso é universal, eterno, imutável e compartilhado por todas as outras mentes que eu suponho existir no mesmo mundo que eu.

terça-feira, 26 de março de 2013

Sobre a escrita de obras de filosofia


"Alguns acreditam que, para escrever um livro de filosofia, o autor deve considerar exaustivamente todos os detalhes e problemas de sua concepção, polindo-a e refinando-a a fim de apresentá-la ao mundo como um todo acabado, completo e elegante. Não partilho dessa concepção. Seja como for, acredito que há lugar e função, no presente universo intelectual, para uma obra menos completa, que contenha apresentações inacabadas, conjecturas, questões em aberto e problemas não resolvidos, indicações, digressões, bem como uma linha principal de raciocínio. Há espaço para a apresentação de ideias que não precisam se assumir como a última palavra sobre determinado assunto.

Na verdade, fico perplexo com o modo como os trabalhos filosóficos costumam ser apresentados. As obras de filosofia são escritas como se seus autores acreditassem que elas fossem a palavra derradeira sobre o assunto em questão. Sem dúvida, porém, o que acontece não é que cada filósofo acredite que finalmente, graças a Deus, encontrou a verdade e ergueu uma fortaleza inexpugnável em torno dela. Na verdade, somos muito mais modestos, e por bons motivos. Depois de refletir longa e exaustivamente sobre o ponto de vista que apresenta, o filósofo sabe mais ou menos bem onde estão seus pontos fracos; os lugares em que se coloca um grande peso intelectual sobre algo talvez frágil demais para suportá-lo, os momentos em que o ponto de vista pode começar a ser esclarecido, os pressupostos não comprovados que lhe causam desconforto.

Há uma forma de atividade filosófica que consiste em empurrar e pressionar as coisas para que elas se encaixem dentro do período predeterminado de um modelo específico. Todas essas coisas estão soltas por aí e precisam ser postas para dentro. Então você empurra e aperta o material para dentro da área demarcada, introduzindo-o por um dos lados: ele vaza do outro. Você dá a volta e pressiona a protuberância que se formou: aparece outra em um lugar diferente. Então você empurra, aperta e corta fora os cantos das coisas para que elas se encaixem, pressionando até que, finalmente, quase tudo se acomoda mais ou menos bem lá dentro;  que fica de fora é jogado para BEM LONGE, para que ninguém perceba. (É evidente que o processo não é TÃO grosseiro assim. Há também a bajulação e os afagos. E o jogo de cintura.) RAPIDAMENTE, você descobre um ângulo do qual tudo parece perfeitamente encaixado e tira uma foto; com uma abertura rápida do obturador antes que algo saia do lugar de maneira muito evidente. Volta, então, para a sala escura para retocar as rachaduras, falhas e aberturas na estrutura do perímetro. Só resta, então, publicar a foto como uma representação exata de como as coisas são, e declarar que nada se encaixa adequadamente de nenhuma outra forma.

Nenhum filósofo diz: 'Foi lá que comecei, eis aqui onde cheguei; a maior fragilidade de minha obra decorre do fato de eu ter partido de lá para chegar aqui; em particular, cá estão as mais notáveis distorções, investidas, encontrões, pancadas, buscas, exageros e exclusões que cometi durante o percurso; sem falar das coisas que joguei fora ou ignorei, e de todas as outras coisas das quais desviei o olhar.'

Acredito que a reticência dos filósofos sobre as fragilidades que percebem em suas próprias concepções não seja apenas uma questão de honestidade filosófica e integridade, ainda que o seja ou que pelo menos venha a sê-lo ao chegar ao nível de consciência. A reticência está relacionada com os propósitos dos filósofos ao formularem seus pontos de vista. Por que se esforçam para enfiar tudo dentro daquela área predeterminada? Por que não em outra área, ou, de maneira mais radical, por que não deixar as coisas onde estão? De que nos serve TER tudo dentro de um perímetro? Por que desejamos tanto isso? (De que isso nos protege?)"

Robert Nozick, no prefácio de Anarquia, Estado e Utopia.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Agnosticismo Parte I - Nascimento de Deus

Deus existe?
Deus não existe?
O que é existir?
O que é Deus?
O que?
É ou não é?

Existem sacis?
Existem fadas?
Existem dragões?

Nós existimos?

Nalgum momento da história deste mundo a humanidade aceitou que tudo o que existe deve ser captado diretamente pelos nossos sentidos. Depositando uma certa confiança neles, nós acreditamos que existe o chão que pisamos, que existe o vinho que bebemos, o fedor que exala de nosso suor, a melodia do canto dos pássaros e o piscar discreto dos vaga-lumes.

Acreditamos, assim, que o mundo existe. Alguns ousam dizer que esta é uma maneira bastante parecida com o modo dos animais acreditar que o mundo existe, mas temos alguns motivos para fazê-lo: se eu fechar meus olhos por 2 segundos e logo em seguida reabri-los, o mundo continuará lá, talvez apenas um pouco diferente do que era antes. Se eu repetir o mesmo experimento 100 mil vezes, talvez o mundo mude, mas continuará lá. No fim das contas, isto soou e soa convincente o suficiente para desassociar e incompatibilizar o existente do inexistente.

Mas para a humanidade nada é muito suficiente, e tentando entender o que deram o nome de "mundo" e "realidade", criaram alguns instrumentos, dentre eles um tal de "número". E esse número passou a existir no papel, na cabeça dos seres humanos e em alguns textos. E houve uma criança ousada que não caiu muito rápido nessa conversa, alegando que ela não podia ver, cheirar, tocar, degustar ou ouvir os números.
Pobre criança, pregaram-lhe uma peça e não lhe avisaram que agora a razão também servia pra identificar o que existe e o que não existe.

E essa razão já existia, diziam, porque foi ela que começou a dar nome pras coisas. E que era ela quem olhava e dizia: vaga-lume! E quando ouvia: canto! E quando pisava: chão! Muitas eras se passaram até se descobrir que a razão não vê, não ouve, não diz, e nesta que vos narro houve outra criança que não gostou do chão e quis fugir dele, tentando afastar seus pés para cima. E eis que ela não conseguiu: alguns disseram que ela ficou frustrada, outros que a mágica que não deixava as pessoas se afastar do chão se chamava gravidade. E a gravidade agora existia. E os números.

Muitas coisas passaram a existir numa confusão imensa, e aquele empreendimento de dar nome a tudo foi se tornando um exercício repetitivo até que todos do grupo chamavam as coisas do mundo pelos mesmos nomes.

Certa vez, cansados de dar nome às coisas da razão e dos sentidos, deram-se conta que a esfera quente e luminosa que brilhava acima deles escondia se num lugar chamado oeste, dando lugar a uma brisa fria e pouco iluminada. Ao olharem para baixo pouco conseguiam enxergar, mas ao olharem para cima, deram-se conta que a imensidão azul de nuvens e com uma esfera luminosa e quente dava espaço a uma imensidão escura, cheia de pontinhos brilhantes e uma grande e bela esfera (aparentemente maior do que a esfera quente e luminosa), mais fácil e mais agradável de olhar. E de tão agradável fez os homens deitarem-se na relva e verem-na movendo-se lentamente até o canto do mundo, até que a grande esfera quente e luminosa voltou a se apresentar.

"Olha só", gritou uma criança fascinada.
"Lua e Sol"?
Nasceram mais dois nomes e com eles nasceu o movimento. E as pessoas perceberam que não eram só eles que andavam, mas também as esferas brilhantes e as massas branquicentas da imensidão azul e preta do céu.

Existia uma espécie de movimento que prendia a atenção dos homens mais do que todas as outras coisas do mundo: o movimento belo de um pequeno caule que crescia contra a mágica da gravidade e que em poucos dias enfeitava-se com pequenas pétalas rosadas. Também o movimento de alguns pequenos barulhentos, que começavam a se equilibrar em duas patas e que, com o passar dos dias, esticavam e esticavam e esticavam, também contra a força mágica da gravidade e ao mesmo tempo em que paravam de berrar.
E eis que um dia um dos homens (que já há muito tinha parado de se esticar) começou a olhar muito para o chão, e de tanto olhar ficou curvo, e de tanto se curvar ao chão caiu e de lá não mais saiu.
Também não se mexia mais, e agora novamente tudo ficara confuso.

As coisas se mexem, as coisas emitem sons, imagens, gostos, formas e matérias.
Movem-se, crescem, encurvam-se, enfeiam-se, caem e param de se mexer. Enquanto alguns ficaram perplexos, um gênio descobriu que se se colocasse uma semente debaixo do chão, em alguns dias no mesmo lugar haveria um caule com pequenas pétalas esverdeadas.

Já outro, preocupado, concluiu que tudo o que crescia contra a mágica força da gravidade deveria ter sido plantado ou colocado ali por outro homem.
Mas os homens eram poucos e pequenos e o mundo era imenso e vasto, e eles não tinham como colocar os pássaros nas árvores e as folhas em suas copas, e os peixes na água, e as montanhas sobre o chão, pois mal tinham descoberto como colocar sementes debaixo do chão.

"Quem colocou tudo isso aqui?", alguém perguntou.
Depois de muitas horas de choro, ranger de dentes e desespero, concluíram:
"Alguém que veio antes de nós.", disse um.
"Mas quem?"

Mais algumas horas de desespero - a humanidade inventou nomes para dor de cabeça e dor nas costas - antes de concluir:

Há duas esferas grandes lá no céu.
Há montanhas e árvores grandes aqui no chão.
O chão parece ser tão grande quanto o céu.
Nós não alcançamos as esferas lá em cima, não conseguimos colocá-las lá,
nem plantamos essas árvores tão grandes que fazem sombra aqui,
nem percorremos todo o chão sem antes nos cansarmos,
nem sabemos que são esses bichos e essas coisas e isso tudo.
Afinal de contas, quem fez tudo isso só pode ser um super-homem.

"Adeus", disse um homem que alegava muito daquela dor nas costas por estar muito encurvado, e também muita dor de cabeça por estar com o cenho muito acentuado.

"Deus parece ser um bom nome para o criador invisível disso tudo."