Me incomodam as "verdades" do mundo.
Me incomoda a história, a lógica e mesmo a filosofia. Me incomoda a psicologia, a sociologia e as ciências de um modo geral.
Me incomoda o determinismo, a religião e também o ceticismo.
Me incomodam as verdades do mundo.
Existe uma tendência difundida implicitamente entre os humanos, quase como uma religião ou uma conspiração demoníaca, de buscar causas para tudo. Procuramos fechar todos os elos da cadeia, preencher todas as variáveis com constantes conhecidas de vários tipos: observáveis, fantasiosas, dogmáticas. Queremos porque queremos entender tudo, esgotar a infinidade do universo e da existência e colocá-la na palma de nossa mão para dizer: "Eu sei! Esta é a verdade!" Mas que verdade está isenta do perspectivismo?
Não é rara a idolatração e a busca por essa "verdade" ou mesmo por esse "método que conduz à verdade". Encaixamos as nossas vivências numa maneira de enxergar o mundo: essa é a nossa vida. Mas não necessitamos, por mais racionais, evoluídos, supremos e absolutos senhores da sapiência e da sabedoria acreditar, em todos os momentos, que essa explicação, método, instrumento ou coisa (doravante sempre coisa) é universal, una, infinita, válida e verdadeira, que encontramos o tão famigerado "ponto de Arquimedes" que sustenta e esgota a vida, a existência, a consciência, os objetos, os fenômenos, o universo, o infinito, a ordem e o caos.
Nozick, embora ingênuo por conferir existência, realidade e verdade à uma entidade fantasiosa, teve alguns insights geniais. Que necessidade a nossa de fechar tudo num pacote, de amarrar todas as pontas, de purificá-lo, desbastando todas as pontas soltas, lixando-o, pintando-o com as cores que queremos que ele tenha (e não com as cores que vemos) para, no fim, encontramos a melhor perspectiva, tirar uma foto e mostrar aos outros! Mas que bela obra de arte e que bela autossabotagem a nossa!
Pergunto-me, às vezes, se precisamos realmente entender todas as coisas do universo. Se precisamos explicar todas as nossas ações, comportamentos, caracteres e estados usando a conexão entre causa e efeito, a lógica, a metodologia científica ou qualquer outra coisa ou coisas. Antes de fazermos tais inferências, não seria mais plausível indagar sobre a extensão e a fertilidade desses instrumentos, desses gêneros parciais, isolados, geniais da própria perspectiva mas também ingênuos modos de possuir o mundo?
Pelo que vejo os humanos são, por sua vez, demasiado pretensiosos e poucos se dão conta disso. São preciosos, caprichosos e orgulhosos demais para aceitar sua inferioridade, quiçá a ordinariedade desses instrumentos que utilizam para enxergar o mundo à sua volta. Se é que enxergam: parece-me, às vezes, que jogam muito mais luz às coisas que os cercam do que deixam a luz dessas coisas atingir seus olhos e agitar o seu espírito. Uma herança copernicana e kantiana, iluminadora demais e iluminada de menos. Escrevem livros sobre "A Estrutura Lógica do Mundo", sobre a "Fenomenologia Transcedental", discordam infinitamente sobre o conteúdo de suas proposições mas sempre dizem: isto é assim; isto é assado!
Particularmente, assumo que mesmo estas verdades, ou instrumentos, ou pontos arquimedianos, ou simplesmente coisas são necessárias e que, às vezes, apoio-me nelas como que por instinto, por convenção, por inércia ou mesmo sem razão (quão irônico seria eu agora buscando as razões pela qual me apoio nestas coisas). E embora eu me enxergue nesse estado que considero ingênuo e soberbo, tal fato nem sempre me traz incerteza e insegurança, não dilacera o meu espírito e não destrói as minhas razões de existir. "Está é a vida", digo eu pra mim mesmo. Sigo em frente no corredor da vida apoiando-me nas colunas mais frágeis e nas paredes mais tensas (porque talvez não existam paredes e colunas firmes para se apoiar, mas quem se importa?). Não sei se são necessários tais encostos, mas minha existência não prescinde deles. Não agora, e nem sei se no futuro: ausento-me da tarefa divina de me impor o dever de abstinência das coisas. Entretanto, às vezes também creio serem elas desnecessárias, e ridícula e demasiado pretensiosa essa postura de pôr tudo na palma da mão. Por que não sentir antes de tentar entender? Antes de buscar ordem, por que não vivenciar o ordenamento e o caos? Antes das razões para a existência, dos deveres e da prescrição do perfeito, por que não a dilaceração da alma, a imoralidade, a perplexidade e a liberdade? Por isso não me incomoda a música e a poesia que tão recentemente abri os meus olhos. Por isso não me incomoda a arte, a literatura, o simples viver, a existência irrefletida, a natureza, os animais, o mundo tal como ele é: cheio de vida e de inesgotáveis sublimidades que perpassam todos esses nossos instrumentos chulos de tentar entender e possuir a existência e a verdade.
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