Deus existe?
Deus não existe?
O que é existir?
O que é Deus?
O que?
É ou não é?
Existem sacis?
Existem fadas?
Existem dragões?
Nós existimos?
Nalgum momento da história deste mundo a humanidade aceitou que tudo o que existe deve ser captado diretamente pelos nossos sentidos. Depositando uma certa confiança neles, nós acreditamos que existe o chão que pisamos, que existe o vinho que bebemos, o fedor que exala de nosso suor, a melodia do canto dos pássaros e o piscar discreto dos vaga-lumes.
Acreditamos, assim, que o mundo existe. Alguns ousam dizer que esta é uma maneira bastante parecida com o modo dos animais acreditar que o mundo existe, mas temos alguns motivos para fazê-lo: se eu fechar meus olhos por 2 segundos e logo em seguida reabri-los, o mundo continuará lá, talvez apenas um pouco diferente do que era antes. Se eu repetir o mesmo experimento 100 mil vezes, talvez o mundo mude, mas continuará lá. No fim das contas, isto soou e soa convincente o suficiente para desassociar e incompatibilizar o existente do inexistente.
Mas para a humanidade nada é muito suficiente, e tentando entender o que deram o nome de "mundo" e "realidade", criaram alguns instrumentos, dentre eles um tal de "número". E esse número passou a existir no papel, na cabeça dos seres humanos e em alguns textos. E houve uma criança ousada que não caiu muito rápido nessa conversa, alegando que ela não podia ver, cheirar, tocar, degustar ou ouvir os números.
Pobre criança, pregaram-lhe uma peça e não lhe avisaram que agora a razão também servia pra identificar o que existe e o que não existe.
E essa razão já existia, diziam, porque foi ela que começou a dar nome pras coisas. E que era ela quem olhava e dizia: vaga-lume! E quando ouvia: canto! E quando pisava: chão! Muitas eras se passaram até se descobrir que a razão não vê, não ouve, não diz, e nesta que vos narro houve outra criança que não gostou do chão e quis fugir dele, tentando afastar seus pés para cima. E eis que ela não conseguiu: alguns disseram que ela ficou frustrada, outros que a mágica que não deixava as pessoas se afastar do chão se chamava gravidade. E a gravidade agora existia. E os números.
Muitas coisas passaram a existir numa confusão imensa, e aquele empreendimento de dar nome a tudo foi se tornando um exercício repetitivo até que todos do grupo chamavam as coisas do mundo pelos mesmos nomes.
Certa vez, cansados de dar nome às coisas da razão e dos sentidos, deram-se conta que a esfera quente e luminosa que brilhava acima deles escondia se num lugar chamado oeste, dando lugar a uma brisa fria e pouco iluminada. Ao olharem para baixo pouco conseguiam enxergar, mas ao olharem para cima, deram-se conta que a imensidão azul de nuvens e com uma esfera luminosa e quente dava espaço a uma imensidão escura, cheia de pontinhos brilhantes e uma grande e bela esfera (aparentemente maior do que a esfera quente e luminosa), mais fácil e mais agradável de olhar. E de tão agradável fez os homens deitarem-se na relva e verem-na movendo-se lentamente até o canto do mundo, até que a grande esfera quente e luminosa voltou a se apresentar.
"Olha só", gritou uma criança fascinada.
"Lua e Sol"?
Nasceram mais dois nomes e com eles nasceu o movimento. E as pessoas perceberam que não eram só eles que andavam, mas também as esferas brilhantes e as massas branquicentas da imensidão azul e preta do céu.
Existia uma espécie de movimento que prendia a atenção dos homens mais do que todas as outras coisas do mundo: o movimento belo de um pequeno caule que crescia contra a mágica da gravidade e que em poucos dias enfeitava-se com pequenas pétalas rosadas. Também o movimento de alguns pequenos barulhentos, que começavam a se equilibrar em duas patas e que, com o passar dos dias, esticavam e esticavam e esticavam, também contra a força mágica da gravidade e ao mesmo tempo em que paravam de berrar.
E eis que um dia um dos homens (que já há muito tinha parado de se esticar) começou a olhar muito para o chão, e de tanto olhar ficou curvo, e de tanto se curvar ao chão caiu e de lá não mais saiu.
Também não se mexia mais, e agora novamente tudo ficara confuso.
As coisas se mexem, as coisas emitem sons, imagens, gostos, formas e matérias.
Movem-se, crescem, encurvam-se, enfeiam-se, caem e param de se mexer. Enquanto alguns ficaram perplexos, um gênio descobriu que se se colocasse uma semente debaixo do chão, em alguns dias no mesmo lugar haveria um caule com pequenas pétalas esverdeadas.
Já outro, preocupado, concluiu que tudo o que crescia contra a mágica força da gravidade deveria ter sido plantado ou colocado ali por outro homem.
Mas os homens eram poucos e pequenos e o mundo era imenso e vasto, e eles não tinham como colocar os pássaros nas árvores e as folhas em suas copas, e os peixes na água, e as montanhas sobre o chão, pois mal tinham descoberto como colocar sementes debaixo do chão.
"Quem colocou tudo isso aqui?", alguém perguntou.
Depois de muitas horas de choro, ranger de dentes e desespero, concluíram:
"Alguém que veio antes de nós.", disse um.
"Mas quem?"
Mais algumas horas de desespero - a humanidade inventou nomes para dor de cabeça e dor nas costas - antes de concluir:
Há duas esferas grandes lá no céu.
Há montanhas e árvores grandes aqui no chão.
O chão parece ser tão grande quanto o céu.
Nós não alcançamos as esferas lá em cima, não conseguimos colocá-las lá,
nem plantamos essas árvores tão grandes que fazem sombra aqui,
nem percorremos todo o chão sem antes nos cansarmos,
nem sabemos que são esses bichos e essas coisas e isso tudo.
Afinal de contas, quem fez tudo isso só pode ser um super-homem.
"Adeus", disse um homem que alegava muito daquela dor nas costas por estar muito encurvado, e também muita dor de cabeça por estar com o cenho muito acentuado.
"Deus parece ser um bom nome para o criador invisível disso tudo."
Recentemente estou lendo bastante sobre agnosticismo e ateísmo. A crença em deus ocorre pois é uma resposta fácil de ser dita e, a principio plausível, para coisas mais complexas e que exigem raciocínio. É mais confortável repetir opiniões do que formá-las. E não sobra tempo pra pensar, temos que assistir novelas, jornais censurados, putaria como programa de humor. Então, é uma tarefa difícil guiar a própria vida. Aí entra em cena o ser perfeito, que não decepciona, pode fazer tudo que se imagina, mas que não podem provar a existência. E como também não podem provar o contrário, faz de conta que existe.
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