sexta-feira, 3 de julho de 2015

Sobre a existência e suas bagagens

Será possível uma lógica que sobreviva à desconstrução existencialista (de um Nietzsche ou de um Sartre), justificada, ao menos, pelo seu uso? Será possível a estruturação de um ideal descompromissado da verdade, seja para a orientação da conduta, seja para a explicação do mundo? Será, de fato, intrinsecamente mal o anseio pela verdade ou, ao menos, pela retratação sistemática do mundo? É possível sobreviver ao ceticismo sem as mãos vazias? Que ganhos há, para a existência e para a filosofia, a desconstrução total? Não é ela tão infértil quanto o pensamento mais dogmático? É possível salvar alguma prescrição moral, ou estamos fadados à desorientação, ao amor à realidade incompreensível, à luta constante com a própria existência e às não tão próprias pulsões de vida e de morte, de criação e desconstrução, de movimento e de paralisia? E não haveríamos de negar, então, qualquer hierarquia de valores e de sofrimentos (dos chamados pobres de espírito aos eruditos) - que havemos de fazer com suas lágrimas? Se não podemos sequer escolher uma orientação, como manifestação de nossa própria vontade, que há de original no mundo? Ocupemo-nos menos de acordos alheios, e mesmo menos de nossos próprios... Sejamos apenas, e escolhamos nossas ferramentas para a existência, com as finalidades, os valores e as atitudes que lhes sejam inerentes. Distorçamo-las ao nosso bel prazer e vontade, ou deixemos que distorçam a nós, pois não é a normatização e a idealização da vida uma manifestação de nosso ser? E que mal há se escolhemos ou fomos escolhidos para jogar um jogo específico de regras: por que sempre esvaziar o espaço que está fadado a ser preenchido de algo?

sábado, 20 de junho de 2015

Dez Mandamentos

1. Não tenha certeza de nada.
2. Não pense que vale a pena esconder evidências, pois a evidência deve ser exposta.
3. Nunca desista de um raciocínio que você esteja convencido de estar correto.
4. Quando você encontrar oposição, mesmo que seja de seu cônjuge ou filhos, esforce-se para superá-la por argumentos e não por autoridade, pois a vitória que se baseia em autoridade é irreal e ilusória.
5. Não tenha respeito pela autoridade dos outros, pois para elas sempre haverá autoridades contrárias para serem encontradas.
6. Não use o poder para suprimir opiniões que você considera perniciosas, pois se o fizer as opiniões suprimirão você.
7. Não tenha medo de ser excêntrico em uma opinião, pois para cada opinião hoje aceita ela já foi excêntrica.
8. Encontre mais prazer em desacordo inteligente do que em concordância passiva, pois, se você valoriza inteligência como deveria, o primeiro implica em uma concordância mais profunda do que o segundo.
9. Seja escrupulosamente verdadeiro, mesmo que a verdade seja inconveniente, pois é mais inconveniente tentar escondê-la.
10. Não sinta inveja pela felicidade dos que vivem em um paraíso dos tolos, pois somente um tolo achará que isso é felicidade.

Bertrand Russell, Um Decálogo Liberal , A Autobiografia de Bertrand Russel, Vol. 3: 1944-1969, pp. 71-2.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

Desamparo - conceito

"E, quando falamos de desamparo, expressão cara a Heidegger, queremos dizer apenas que Deus não existe, e devemos assumir todas as consequências disso. O existencialista se opõe fortemente a um certo tipo de moral laica que pretende suprimir Deus pagando o menor preço possível. Em 1880, quando professores franceses tentaram constituir uma moral laica, eles disseram mais ou menos o seguinte: Deus é uma hipótese inútil e custosa, vamos suprimi-la. Porém, para que exista uma moral, uma sociedade, um mundo que respeite as leis, será necessário que alguns valores sejam levados a sério e considerados como existentes a priori. É necessário que seja obrigatório a priori ser honesto, não mentir, não bater na mulher, criar filhos etc. Vamos, portanto, realizar um pequeno trabalho que permitirá mostrar que esses valores existem mesmo assim, inscritos em um céu inteligível, muito embora, por outro lado, Deus não exista. Dito de outra forma - e esta é, creio eu, a tendência de tudo aquilo que denominamos, na França, radicalismo -, nada mudará Deus não existindo mais; nós encontraremos as mesmas normas de honestidade, de progresso, de humanismo e teremos transformado Deus em uma hipótese ultrapassada que irá morrer tranquilamente e por si mesma. O existencialista, ao contrário, vê como extremamente incômodo o fato de Deus não existir, pois com ele desaparece toda possibilidade de encontrar valores em um céu inteligível; não é mais possível existir bem algum a priori, uma vez que não existe mais uma consciência infinita e perfeita para concebê-lo, não está escrito em lugar algum que o bem existe, que é preciso ser honesto, que não se deve mentir, pois estamos exatamente em um plano onde há somente homens. Dostoiévski escrevera: 'Se Deus não existisse, tudo seria permitido'. É este o ponto de partida do existencialismo. Com efeito, tudo é permitido se Deus não existe, consequentemente, o homem encontra-se desamparado, pois não encontra nem dentro nem fora de si uma possibilidade de agarrar-se a algo. Sobretudo, ele não tem mais escusas. Se, com efeito, a existência precede a essência, nunca se poderá recorrer a uma natureza humana dada e definida para explicar alguma coisa; dizendo de outro modo, não existe determinismo, o homem é livre, o homem é liberdade. Por outro lado, se Deus não existe, não encontraremos à nossa disposição valores ou ordens que legitimem nosso comportamento. Assim, nem atrás de nós, nem à nossa frente, ou no domínio numinoso dos valores, dispomos de justificativas ou escusas. Nós estamos sós, sem escusas."

Jean-Paul Sartre em O Existencialismo é um Humanismo.

quinta-feira, 18 de junho de 2015

Desabafo/Frustração com a vida política 2015

Está escrito na Constituição Federal, Artigo 37, que "A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá [...]", dentre outros princípios, aos da moralidade e da eficiência. Resta comprovado, contudo, que no Brasil, no que compete a TODOS os entes federativos (isto é, da esfera federal à municipal), a prestação de serviços públicos está a anos luz de seguir os princípios supracitados. No Paraná, um governo que alega falta de dinheiro é, ao mesmo tempo, o que possui o maior número de cargos comissionados. E não bastando a truculência no trato de seus educadores e a postura antidemocrática para aprovação de uma lei cujas consequências aos cofres públicos a longo prazo serão devastadoras, obriga-nos agora a testemunhar uma mentira deslavada, uma ofensa sem precedentes à inteligência e à importância dos professores deste estado.
Enquanto isso, em âmbito federal, o governo aliado dos trabalhadores é incapaz de pôr fim ao fator previdenciário mas não titubeia ao sancionar uma lei que põe fim a alguns direitos trabalhistas tão arduamente conquistados (me refiro à reformulação do seguro-desemprego, em prol da saúde dos cofres públicos). O discurso proferido nos debates dos presidenciáveis favorável à taxação das grandes fortunas resta agora apenas na memória daqueles "velhos ingênuos", partidários e defensores do mal menor.
Nossos legisladores, por outro lado, em nome dos bons costumes e da família tradicional brasileira se esforçam arduamente por uma regressão política travestida de reforma, aprovando a redução da maioridade penal, por vias autoritárias o financiamento privado de campanhas políticas, o "bolsa-esposa-de-deputado-viaja-de-avião", sem falar no insulto à laicidade do Estado (e aos próprios valores cristãos) quando, antes de tais decisões, rezam e pedem a iluminação de Deus...
Diante de tal quadro, não surpreende que ideias de cunho anarquista/miniarquista/neoliberal tomem formas tão sedutoras! O Estado brasileiro conduz-se tanto na direção oposta de suas incumbências que chega a suscitar dúvidas, mesmo nos "esquerdistas", se o capitalismo, em sua forma mais nua, crua e cruel (ou seja, aquela nunca vista em terras tupiniquins) não atenderia melhor às nossas expectativas de justiça...
Resta comprovado, também, que o Brasil não segue nem a direção de um Estado amplo, sustentável e eficiente, nem as vias da liberdade econômica e da iniciativa privada. São nestes trilhos de curvas conservadoras, antiliberais, antidemocráticas, ineficientes e injustas que "segue o nosso bonde". Mas bobo mesmo é o Tiririca que acha que pior que tá num fica...