Querido mundo.
Às vezes tenho vontade de dizer "me desculpe por frustrá-lo", "eu não sou assim, nem sou tudo isso", "você devia esperar menos de mim"; às vezes, quero mandá-lo tomar no cu.
Seria uma mentira afirmar que tenho adotado a postura do "foda-se!"-nas minhas atitudes recentemente, mas tenho tentado entendê-la. E é claro que esta tentativa de entendimento pode também ser um pecado, afinal não só existem coisas incompreensíveis mas também aquelas que não devemos despender esforço algum para compreendê-las. Na incapacidade de enquadrar o "foda-se!" na primeira ou na segunda categoria, busco desconfiante e esperançoso alguma luz que me atraia para tal postura, visto que admiro-a.
E se estou desconfiado, é porque o "foda-se!" é uma postura simples demais e talvez intangível aos espíritos eruditos, filosóficos e insensíveis do século XXI (graças à sorte e à juventude ainda estou livre desta desgraça!). É um ato espontâneo e quase impensado, momentâneo e conclusivo. Desgostam da tua roupa? Condenam as tuas atitudes? Frustrastes as expectativas alheias? Falhastes como amigo, namorado, amante, ficante, estudante, professor, filho, companheiro de quarto, músico, filósofo, escritor, poeta e jogador de vários jogos?
Não sei se tenho pena de mim ou do mundo, ou se eu e os outros e as coisas somos apenas uns fodidos largados às traças, abandonados nesta putaria desordenada e nem-sempre-sem-sentido que chamamos de vida. Mas seria pedir muito para que o mundo entendesse o "foda-se!". O mundo não entende nada, o mundo é conservador e ditador, quer as coisas a seu modo, esconde preciosidades e impõe implicitamente as regras que você demora anos pra tornar nítidas pra você, e tudo isso pra quê? Pra que elas lhe sejam cuspidas na cara de novo, menos impiedosas e nem por isso mais frágeis. E é aí que você pensa: eu era feliz naquela merda de vida inconsciente e inocente que eu levava. Eu era feliz acreditando no certo e no errado, na bondade dos seres humanos, na felicidade escondida num balde de long necks que o pobre garçom traz às três horas da manhã, e também na ressaca e na conversa com os amigos que relembram a balada da noite anterior.
Eu era feliz acreditando que devia comer todo mundo e ser feliz para sempre, e fui feliz depois quando entendi (aleluia, graças à Deus e aos anjos) que a felicidade residia em fazer uma única pessoa feliz para o resto dos dias, ainda que isso fosse praticamente impossível e que custasse toda minha energia. Talvez eu fosse feliz assim, sem saber, sem enxergar, e especialmente sem pensar.
Mas, se me perguntassem agora: "Danilo, o que você tem a declarar?", eu, um pouco suado e ofegante, diria que foda-se. Assim mesmo, sem ponto de exclamação, sem tanto vigor, como um suspiro solto após um longo dia de trabalho. É isso mesmo. Foda-se. Eu estou cansado.
Talvez (eu supondo, mais uma vez), as merdas sempre comecem quando começamos a pensar demais. Too much blood in your brain, you know. Há um contato com a simplicidade e com as pulsões primitivas (alguns dizem naturais) que se perde neste momento: um brinde de água suja à sapiência do Homo que se esquece como ser um animal! Isto é tautológico: a admiração irrefletida termina quando inicia a reflexão, e a simplicidade com a erudição. Para-se a dança, a jam, a caça, o beijo, a contemplação estética: o sendo torna-se sido para dar lugar aos juízos e às indagações. E se é a isso que se resumem as minhas vivências e se é a isso que estou preso, mas que grande merda de vida é a minha! Preferiria mil vezes eu ter nascido um cachorro: eu viveria livremente, ainda que preso às correntes de minhas pulsões de sobrevivência e de prazer.
Mas aparentemente há muita força no "foda-se!", e essas indagações não são incômodas por si mesmas, mas o são porque estão deslocadas. Surgem em momentos desnecessários, inesperados e não são bem-vindas como as chuvas de verão em fins de tardes ensolaradas. Todas elas, entretanto, farão sentido, terão razão de existir e justificarão sua presença neste blog se me conduzirem de volta à primitividade, à simplicidade, à admiração não erudita e compulsória, à irreflexão e à contemplação imediata. Devolvam-me a vida que eu quero levar! Conduzam-me novamente ao estado do qual não gostaria de ter saído! Corrijo: vocês existem para ordenar o meu mundo, não para me dilacerar e incomodar; vocês mandaram bem quando me apresentaram o lado B da vida, o lado não ditador e não conservador, o lado sem regras e caótico e também o que está além da ordem e do caos, mas sumam da minha cabeça! Preciso endireitá-la, e se para garantir tal retidão eu precisar optar ou pela erudição ou pela rusticidade, eu opto pela segunda! E foda-se!
[Aguardando a ambiguidade do título tornar-se voluntária]