segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Divagações sobre a simplicidade, a erudição e o ato de mandar tudo se foder

Querido mundo.

Às vezes tenho vontade de dizer "me desculpe por frustrá-lo", "eu não sou assim, nem sou tudo isso", "você devia esperar menos de mim"; às vezes, quero mandá-lo tomar no cu.

Seria uma mentira afirmar que tenho adotado a postura do "foda-se!"-nas minhas atitudes recentemente, mas tenho tentado entendê-la. E é claro que esta tentativa de entendimento pode também ser um pecado, afinal não só existem coisas incompreensíveis mas também aquelas que não devemos despender esforço algum para compreendê-las. Na incapacidade de enquadrar o "foda-se!" na primeira ou na segunda categoria, busco desconfiante e esperançoso alguma luz que me atraia para tal postura, visto que admiro-a.

E se estou desconfiado, é porque o "foda-se!" é uma postura simples demais e talvez intangível aos espíritos eruditos, filosóficos e insensíveis do século XXI (graças à sorte e à juventude ainda estou livre desta desgraça!). É um ato espontâneo e quase impensado, momentâneo e conclusivo. Desgostam da tua roupa? Condenam as tuas atitudes? Frustrastes as expectativas alheias? Falhastes como amigo, namorado, amante, ficante, estudante, professor, filho, companheiro de quarto, músico, filósofo, escritor, poeta e jogador de vários jogos?

Não sei se tenho pena de mim ou do mundo, ou se eu e os outros e as coisas somos apenas uns fodidos largados às traças, abandonados nesta putaria desordenada e nem-sempre-sem-sentido que chamamos de vida. Mas seria pedir muito para que o mundo entendesse o "foda-se!". O mundo não entende nada, o mundo é conservador e ditador, quer as coisas a seu modo, esconde preciosidades e impõe implicitamente as regras que você demora anos pra tornar nítidas pra você, e tudo isso pra quê? Pra que elas lhe sejam cuspidas na cara de novo, menos impiedosas e nem por isso mais frágeis. E é aí que você pensa: eu era feliz naquela merda de vida inconsciente e inocente que eu levava. Eu era feliz acreditando no certo e no errado, na bondade dos seres humanos, na felicidade escondida num balde de long necks que o pobre garçom traz às três horas da manhã, e também na ressaca e na conversa com os amigos que relembram a balada da noite anterior.
Eu era feliz acreditando que devia comer todo mundo e ser feliz para sempre, e fui feliz depois quando entendi (aleluia, graças à Deus e aos anjos) que a felicidade residia em fazer uma única pessoa feliz para o resto dos dias, ainda que isso fosse praticamente impossível e que custasse toda minha energia. Talvez eu fosse feliz assim, sem saber, sem enxergar, e especialmente sem pensar.

Mas, se me perguntassem agora: "Danilo, o que você tem a declarar?", eu, um pouco suado e ofegante, diria que foda-se. Assim mesmo, sem ponto de exclamação, sem tanto vigor, como um suspiro solto após um longo dia de trabalho. É isso mesmo. Foda-se. Eu estou cansado.

Talvez (eu supondo, mais uma vez), as merdas sempre comecem quando começamos a pensar demais. Too much blood in your brain, you know. Há um contato com a simplicidade e com as pulsões primitivas (alguns dizem naturais) que se perde neste momento: um brinde de água suja à sapiência do Homo que se esquece como ser um animal! Isto é tautológico: a admiração irrefletida termina quando inicia a reflexão, e a simplicidade com a erudição. Para-se a dança, a jam, a caça, o beijo, a contemplação estética: o sendo torna-se sido para dar lugar aos juízos e às indagações. E se é a isso que se resumem as minhas vivências e se é a isso que estou preso, mas que grande merda de vida é a minha! Preferiria mil vezes eu ter nascido um cachorro: eu viveria livremente, ainda que preso às correntes de minhas pulsões de sobrevivência e de prazer.

Mas aparentemente há muita força no "foda-se!", e essas indagações não são incômodas por si mesmas, mas o são porque estão deslocadas. Surgem em momentos desnecessários, inesperados e não são bem-vindas como as chuvas de verão em fins de tardes ensolaradas. Todas elas, entretanto, farão sentido, terão razão de existir e justificarão sua presença neste blog se me conduzirem de volta à primitividade, à simplicidade, à admiração não erudita e compulsória, à irreflexão e à contemplação imediata. Devolvam-me a vida que eu quero levar! Conduzam-me novamente ao estado do qual não gostaria de ter saído! Corrijo: vocês existem para ordenar o meu mundo, não para me dilacerar e incomodar; vocês mandaram bem quando me apresentaram o lado B da vida, o lado não ditador e não conservador, o lado sem regras e caótico e também o que está além da ordem e do caos, mas sumam da minha cabeça! Preciso endireitá-la, e se para garantir tal retidão eu precisar optar ou pela erudição ou pela rusticidade, eu opto pela segunda! E foda-se!

[Aguardando a ambiguidade do título tornar-se voluntária]

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Sobre as coisas que sustentam as "verdades" do mundo

Me incomodam as "verdades" do mundo.
Me incomoda a história, a lógica e mesmo a filosofia. Me incomoda a psicologia, a sociologia e as ciências de um modo geral.
Me incomoda o determinismo, a religião e também o ceticismo.
Me incomodam as verdades do mundo.

Existe uma tendência difundida implicitamente entre os humanos, quase como uma religião ou uma conspiração demoníaca, de buscar causas para tudo. Procuramos fechar todos os elos da cadeia, preencher todas as variáveis com constantes conhecidas de vários tipos: observáveis, fantasiosas, dogmáticas. Queremos porque queremos entender tudo, esgotar a infinidade do universo e da existência e colocá-la na palma de nossa mão para dizer: "Eu sei! Esta é a verdade!" Mas que verdade está isenta do perspectivismo?

Não é rara a idolatração e a busca por essa "verdade" ou mesmo por esse "método que conduz à verdade". Encaixamos as nossas vivências numa maneira de enxergar o mundo: essa é a nossa vida. Mas não necessitamos, por mais racionais, evoluídos, supremos e absolutos senhores da sapiência e da sabedoria acreditar, em todos os momentos, que essa explicação, método, instrumento ou coisa (doravante sempre coisa) é universal, una, infinita, válida e verdadeira, que encontramos o tão famigerado "ponto de Arquimedes" que sustenta e esgota a vida, a existência, a consciência, os objetos, os fenômenos, o universo, o infinito, a ordem e o caos.




Nozick, embora ingênuo por conferir existência, realidade e verdade à uma entidade fantasiosa, teve alguns insights geniais. Que necessidade a nossa de fechar tudo num pacote, de amarrar todas as pontas, de purificá-lo, desbastando todas as pontas soltas, lixando-o, pintando-o com as cores que queremos que ele tenha (e não com as cores que vemos) para, no fim, encontramos a melhor perspectiva, tirar uma foto e mostrar aos outros! Mas que bela obra de arte e que bela autossabotagem a nossa!

Pergunto-me, às vezes, se precisamos realmente entender todas as coisas do universo. Se precisamos explicar todas as nossas ações, comportamentos, caracteres e estados usando a conexão entre causa e efeito, a lógica, a metodologia científica ou qualquer outra coisa ou coisas. Antes de fazermos tais inferências, não seria mais plausível indagar sobre a extensão e a fertilidade desses instrumentos, desses gêneros parciais, isolados, geniais da própria perspectiva mas também ingênuos modos de possuir o mundo?

Pelo que vejo os humanos são, por sua vez, demasiado pretensiosos e poucos se dão conta disso. São preciosos, caprichosos e orgulhosos demais para aceitar sua inferioridade, quiçá a ordinariedade desses instrumentos que utilizam para enxergar o mundo à sua volta. Se é que enxergam: parece-me, às vezes, que jogam muito mais luz às coisas que os cercam do que deixam a luz dessas coisas atingir seus olhos e agitar o seu espírito. Uma herança copernicana e kantiana, iluminadora demais e iluminada de menos. Escrevem livros sobre "A Estrutura Lógica do Mundo", sobre a "Fenomenologia Transcedental", discordam infinitamente sobre o conteúdo de suas proposições mas sempre dizem: isto é assim; isto é assado!

Particularmente, assumo que mesmo estas verdades, ou instrumentos, ou pontos arquimedianos, ou simplesmente coisas são necessárias e que, às vezes, apoio-me nelas como que por instinto, por convenção, por inércia ou mesmo sem razão (quão irônico seria eu agora buscando as razões pela qual me apoio nestas coisas). E embora eu me enxergue nesse estado que considero ingênuo e soberbo, tal fato nem sempre me traz incerteza e insegurança, não dilacera o meu espírito e não destrói as minhas razões de existir. "Está é a vida", digo eu pra mim mesmo. Sigo em frente no corredor da vida apoiando-me nas colunas mais frágeis e nas paredes mais tensas (porque talvez não existam paredes e colunas firmes para se apoiar, mas quem se importa?). Não sei se são necessários tais encostos, mas minha existência não prescinde deles. Não agora, e nem sei se no futuro: ausento-me da tarefa divina de me impor o dever de abstinência das coisas. Entretanto, às vezes também creio serem elas desnecessárias, e ridícula e demasiado pretensiosa essa postura de pôr tudo na palma da mão. Por que não sentir antes de tentar entender? Antes de buscar ordem, por que não vivenciar o ordenamento e o caos? Antes das razões para a existência, dos deveres e da prescrição do perfeito, por que não a dilaceração da alma, a imoralidade, a perplexidade e a liberdade? Por isso não me incomoda a música e a poesia que tão recentemente abri os meus olhos. Por isso não me incomoda a arte, a literatura, o simples viver, a existência irrefletida, a natureza, os animais, o mundo tal como ele é: cheio de vida e de inesgotáveis sublimidades que perpassam todos esses nossos instrumentos chulos de tentar entender e possuir a existência e a verdade.


domingo, 8 de dezembro de 2013

Por que tentar ter o mundo na palma das mãos?

"A falsa ilusão de que o destino da vida está assegurado em nossas mãos é que cria espaço para a culpa."

http://papodehomem.com.br/os-mecanismos-da-culpa-id-8/

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

O Caos Vespertino

Há coisas que passam pela cabeça dos homens capazes de fazê-los ficarem acordados por dias. Há coisas, do mesmo tipo, que os impedem de tirar seu cochilo vespertino. São tantos os acontecimentos e sentimentos que muitas vezes divagações são necessárias. A esse fenômeno os filósofos dão o nome de catarse, o ato de vomitar ao mundo todas as indecências, o descontrole, os desentendimentos interiores. Dilacerações.

Que se passa na cabeça de um homem quando pensa em seu futuro? Quando pensa em se mudar, em seus amigos, família, namorada, faculdade. Quando pensa no que fez e no que poderá fazer, quando pensa nos bens que o cerca: o que levará consigo e o que deixará para trás? Não tem nada senão suas lembranças e estes pensamentos desordenados que o rodeiam.

Que se passa na cabeça de um homem quando tenta distinguir o essencial do supérfluo, o eterno do passageiro, o bom do ruim? E em que estado de ânimo entra um homem ao se deparar com a fragilidade e a pouca sobriedade dos critérios que utiliza para avaliar sua vida?

Este: este é o homem dilacerado. O homem que não bate o martelo, que não afirma o dever, que não sabe o certo. O homem que vive simplesmente, que vai sem saber um rumo certo, mas ainda vai. Se move: inconstante. Um andarilho entre todas as suas experiências e todas as suas vivências. Não seria ele uma criança incapaz de compreender o mundo e que precisa de tutores? Ou talvez um lógico frustrado com a  ilogicidade do mundo, das pessoas, da vida? "Somos capazes de dizer amor e fazer amor sem amor", pensa; "recebemos promessas de amor que na verdade são contratos". Ah, o amor, sempre ele: uma dessas coisas caóticas que perturbam os homens e que lhes afasta o sono.
  
Mas o caos não é culpado do amor e do não-amor. O caos existe no espírito inocente, que não entende. Que vive, que sente, que chora e que morre, mas que não entende. Tenta, divaga, desiste e volta a deitar. Pensa, perde o sono e volta a escrever. Sem razão, sem ordem, sem nexo. Um absurdo contraditório redundante a vida destes homens dilacerados. Destes homens sem critérios e sem chão, destes seres sensíveis e, ao mesmo tempo, indiferentes. Destes sem juízos de valor, céticos sem opção, descrentes por uma consequência da natureza. Para estes descrentes, dilacerados, imaturos, andarilhos; a estas crianças, sonâmbulas, logicamente frustradas, frágeis e pouco sóbrias não há chão, mas como que apenas um fio capaz de conectá-la novamente à sua existência e de dar sentido à sua vida. E é a este fio a que podem agarrar-se: serão livres dos dois modos. Que possuem verdadeiramente senão suas memórias? Quem pode abdicar de suas vivências?