quinta-feira, 21 de setembro de 2017

A possibilidade de uma filosofia analítica de cunho existencial

Filosofar não é nada senão se debruçar sobre as questões mais vitais de nossa existência.

São essas as questões "mais importantes, mais apaixonantes, mais urgentes, mais lancinantes". Como diz Paul Valery, "os verdadeiros problemas dos verdadeiros filósofos são aqueles que atormentam e incomodam a vida."

"[...] o filósofo moral ou político não está habilitado a ditar normas e legislar. Ele deve contentar-se em ESCLARECER e SISTEMATIZAR nossas intuições morais - historicamente variáveis e socialmente determinadas -, e, assim, enunciar os princípios que "fundam" essas intuições, mas que, por outro lado, têm como fundamento último essas mesmas intuições: o fato, por exemplo, de que a injustiça nos revolte ou que a solidariedade nos exalte. É, com certeza, sempre possível afastar tais intuições como simples reações emocionais - o que, de resto, elas são -, como fatos puros. Mas também é possível aderir a elas e, explicitando as exigências que exprimem, formular princípios susceptíveis de nos orientar em nossas escolhas morais e em nossos engajamentos políticos.

O filósofo político dessa perspectiva [analítica] não tem a mesma missão de um tribuno ou de um profeta. Ele não tem o direito nem o dever de anunciar aos homens o que lhes incumbe fazer. A sua missão consiste em escrutar incansavelmente nossas intuições espontâneas sobre o que, em nossa sociedade, é bom ou mau, admirável ou intolerável - e esforçar-se, simplesmente, para lhes dar uma formulação que seja clara, coerente, sistemática."

Philippe van Parijs em O que é uma sociedade justa?

domingo, 23 de julho de 2017

Desamparo - vivência

Honestamente, foram poucas as ocasiões nas quais eu me senti "sozinho no universo" e senti verdadeira falta de uma força superior cuja existência e influência em nossas vidas é incompreensível. E não houve, nos últimos anos, sequer um dia que minha razão não tenha sido tentada a admitir a existência de um tal ser.

"Deve haver algo, pois se não houver, que sentido há na vida?"

Muitos de nós, desorientados, incumbem ao universo a ingrata tarefa de ter sentido. Você deve fazer sentido, vida, caso contrário não vales de nada. Outros vão mesmo além e requerem a justiça, mais como uma forma de engolirem a desgraça que vivenciam cotidianamente e não dispõem dos meios para corrigi-la do que propriamente como uma crença razoável e justificada.

Não há fraco que não encontre abrigo em discurso tão acolhedor, e felizes são os pobres e oprimidos, injustiçados e abandonados que desfrutarão dos impérios metafísicos. Mas que felicidade é essa? Uma felicidade fora da vida, uma felicidade que atualmente não se coloca senão em vestes maltrapilhas de esperança. Esperança, futuro, fora da vida.

Tristes de nós que, por vez ou outra, se encontram desamparados, sem essas muletas metafísicas para abrandar nossos sofrimentos. Mas não dependemos de forças extraplanares para confirmar nossa felicidade, não vivemos num teste para provar nossa dignidade de adentrar no paraíso, não guiamos nossa conduta por códigos que não colocamos a nós mesmos. Somos e tentamos ser felizes à nossa maneira, aqui, agora, e esforçamo-nos para que o agora valha a pena como se tivéssemos de retornar a ele eternamente.

Não há maior razoabilidade do que esta: como não há nada no além da vida, é na vida que devemos ficar. E focar. E se permitir sentir a dor de uma perda, o sentimento de injustiça, de desordem e incoerência, viver todos os paradoxos diários que apenas são vistos por nós como tais porque habituamo-nos a enxergar a vida com os olhos daqueles que querem mais do que nela está. Pois se não o fizéssemos, chamaríamos a tais fatos apenas de fatos, e nosso incômodo seria menor, talvez apenas o suficiente para nos impulsionar a transformar a vida e impor nossa vontade no mundo.


quarta-feira, 31 de maio de 2017

Regozijo insignificante

Era uma vez um homem cujo maior anseio era responder à indagação mais (ir)relevante para a existência humana:

Como devemos viver?

Tendo vivido muito, eis que encontrou a resposta.

Infortúnio não lhe sobrar mais vida.

(E morreu).