domingo, 2 de novembro de 2014

Com você

Queria aqui poder falar de qualquer coisa, da simplicidade e da maravilha que é ser um ser humano, que é amar, chorar, sofrer, respirar, sonhar, sorrir. Queria aqui poder falar do mundo que brilha diante de nós e que nos faz brilhar, dos seus encantos e dos cantos encantadores de um passarinho escondido embaixo da janela, ou da sua voz fina e desafinada que vez ou outra arrisca sem perceber alguns versos de amor, ou mesmo daquela canção maravilhosa que ocupa a nossa mente quando ocupamos as nossas bocas com os nossos beijos.

"I think you better close your eyes and let me guide you into the purple rain" Eu só queria ver você se molhar nas águas daquela chuva que nos escondemos sob os cobertores apertados da minha cama...

Eu queria aqui poder falar das infinitas memórias que lutam bravamente contra o tempo e permanecem vivas e sólidas em nossas mentes. Ou mesmo falar da estranha sensação de ver, na mesma pessoa, alguém totalmente diferente do que havia visto no primeiro dia. No nosso caso, as impressões permanecem, e não apenas as primeiras, e que permaneçam para sempre (exceto as marquinhas de dente e alguns pequenos e imperceptíveis roxos no pescoço).

Nossa história foi e é assim; quebramos regras e paradigmas e fazemos o que, supostamente, não deveríamos. Fomos ao cinema sem os nossos pais saberem com quem estamos só para termos o prazer de se beijar no escuro enquanto alguns gritos e suores escorrem na tela do cinema; teríamos nossos próprios gritos e suores refletidos nalguns espelhos suspensos tempos depois, mas naquela noite tudo ficou maravilhosamente bem com um ''eu adoro você, sabia?''.

Éramos proibidos desde o começo, um estilo de Romeu e uma Julieta bastante moderninho, embora fãs do flerte à moda antiga, da fantasia tolkieniana, da filosofia e da vida simples e despreocupada. Gostávamos mesmo era de rir e de cair na grama, e o mundo podia mesmo era acabar ali. Você gostava de implicar com meu boné e elogiar a minha barba e o meu cabelo estranho, enquanto eu me restringia a tentar te beijar em cada esquina e em cada mínima oportunidade.

Era mágico ter você perto de mim. Foi mágico quando a encontrei toda nerdzinha estudando nas mesinhas da UTFPR, com uma réguinha de cachorro que fui obrigado a pegar pra te zoar. Talvez até tenha sido ali que eu constatei que um dos maiores prazeres da minha vida é o de te perturbar e pentelhar.
Foi igualmente mágico quando você disse pra eu não desistir de nós só porque alguém dizia que nós não podíamos ficar juntos. Foi ali, enquanto estávamos sentados no chão gelado do hall da universidade, que eu me senti amado verdadeiramente pela primeira vez na vida. Não havia ouvido, ainda, um eu te amo da sua voz aveludada, mas se hoje sei que amar é também colocar o fardo de outra pessoa nas próprias costas e incentivá-la, tirando forças da alma para fazê-la ir adiante, é porque com meia dúzia de palavras e gestos você me ensinou.

Mas tudo isto aqui, mulher, são só palavras. Eu não vou conseguir falar muito sobre qualquer coisa, porque a barreira do sentir e do dizer me impede, e ainda que fossem a mesma coisa, tantas palavras eu precisaria eu pra descrever a coisa mais simples e mais sublime, que é olhar para o seu rosto enquanto seus olhos brilham e você sorri.

E é então com breves palavras que eu descrevo uma tragédia. Fomos arrancados dos braços um do outro abruptamente, separados pela distância e pelo destino. Fragilizados, buscávamos nos recompor como podíamos, mas nem sempre as coisas aconteciam como antes. Via seu lado ruim, aquele lado que vai além do chulé da sua meia, e você se incomodava mais que de costume com a minha mania de ciumento e de reclamão. Brigávamos, gritávamos e chorávamos, indignados. Brigávamos tanto, não só um contra o outro mas principalmente contra o nosso amor, que chegamos mesmo a pensar que o tínhamos vencido e que era hora de abandonar o ringue. E ele caiu uma, duas, três e tantas vezes.


Mas há um ''quê'' de lógica no amor. Não se abate o imbatível, não se destrói o invencível, não se mata o que insiste em renascer das cinzas.
E como a ave fênix, ele vem lançar vôo sobre nós novamente. A diferença é que, agora, o enxergamos. Cansados, feridos, meio que o domamos. Esperançosos, sabemos que podemos voar lá para as terras onde felizes são os que se deixam cair pelas gramas da praça. E muito além.

E por isso eu te peço, mais uma vez, que venha. Que venha comigo, que segure a minha mão firme o suficiente para não soltá-la, ainda que pareça inevitável. Porque ainda que solte, eu continuarei a segurar a tua para que possamos voar juntos. Porque me foi dito, uma vez, que para ir adiante são necessários sacrifícios, e que não devemos deixar de voar porque pessoas, ou o tempo, ou o destino, ou o que quer que for tenha dito que não devemos.

E eu quero voar com você para a última das estrelas que nós encontrarmos no céu. Não para, com ela, ter uma lembrança tua, que certamente seria especial, mas para, do seu lado, nela fazer moradia. E deitar, e sonhar, e sentir e viver, tudo outra vez. Com você.