"Alguns acreditam que, para escrever um livro de filosofia, o autor deve considerar exaustivamente todos os detalhes e problemas de sua concepção, polindo-a e refinando-a a fim de apresentá-la ao mundo como um todo acabado, completo e elegante. Não partilho dessa concepção. Seja como for, acredito que há lugar e função, no presente universo intelectual, para uma obra menos completa, que contenha apresentações inacabadas, conjecturas, questões em aberto e problemas não resolvidos, indicações, digressões, bem como uma linha principal de raciocínio. Há espaço para a apresentação de ideias que não precisam se assumir como a última palavra sobre determinado assunto.
Na verdade, fico perplexo com o modo como os trabalhos filosóficos costumam ser apresentados. As obras de filosofia são escritas como se seus autores acreditassem que elas fossem a palavra derradeira sobre o assunto em questão. Sem dúvida, porém, o que acontece não é que cada filósofo acredite que finalmente, graças a Deus, encontrou a verdade e ergueu uma fortaleza inexpugnável em torno dela. Na verdade, somos muito mais modestos, e por bons motivos. Depois de refletir longa e exaustivamente sobre o ponto de vista que apresenta, o filósofo sabe mais ou menos bem onde estão seus pontos fracos; os lugares em que se coloca um grande peso intelectual sobre algo talvez frágil demais para suportá-lo, os momentos em que o ponto de vista pode começar a ser esclarecido, os pressupostos não comprovados que lhe causam desconforto.
Há uma forma de atividade filosófica que consiste em empurrar e pressionar as coisas para que elas se encaixem dentro do período predeterminado de um modelo específico. Todas essas coisas estão soltas por aí e precisam ser postas para dentro. Então você empurra e aperta o material para dentro da área demarcada, introduzindo-o por um dos lados: ele vaza do outro. Você dá a volta e pressiona a protuberância que se formou: aparece outra em um lugar diferente. Então você empurra, aperta e corta fora os cantos das coisas para que elas se encaixem, pressionando até que, finalmente, quase tudo se acomoda mais ou menos bem lá dentro; que fica de fora é jogado para BEM LONGE, para que ninguém perceba. (É evidente que o processo não é TÃO grosseiro assim. Há também a bajulação e os afagos. E o jogo de cintura.) RAPIDAMENTE, você descobre um ângulo do qual tudo parece perfeitamente encaixado e tira uma foto; com uma abertura rápida do obturador antes que algo saia do lugar de maneira muito evidente. Volta, então, para a sala escura para retocar as rachaduras, falhas e aberturas na estrutura do perímetro. Só resta, então, publicar a foto como uma representação exata de como as coisas são, e declarar que nada se encaixa adequadamente de nenhuma outra forma.
Nenhum filósofo diz: 'Foi lá que comecei, eis aqui onde cheguei; a maior fragilidade de minha obra decorre do fato de eu ter partido de lá para chegar aqui; em particular, cá estão as mais notáveis distorções, investidas, encontrões, pancadas, buscas, exageros e exclusões que cometi durante o percurso; sem falar das coisas que joguei fora ou ignorei, e de todas as outras coisas das quais desviei o olhar.'
Acredito que a reticência dos filósofos sobre as fragilidades que percebem em suas próprias concepções não seja apenas uma questão de honestidade filosófica e integridade, ainda que o seja ou que pelo menos venha a sê-lo ao chegar ao nível de consciência. A reticência está relacionada com os propósitos dos filósofos ao formularem seus pontos de vista. Por que se esforçam para enfiar tudo dentro daquela área predeterminada? Por que não em outra área, ou, de maneira mais radical, por que não deixar as coisas onde estão? De que nos serve TER tudo dentro de um perímetro? Por que desejamos tanto isso? (De que isso nos protege?)"
Robert Nozick, no prefácio de Anarquia, Estado e Utopia.