Acho lamentável a distinção que algumas pessoas fazem entre a direita e a esquerda política. Pra início de conversa, já não acho esses nomes suficientes pra taxar nem um discurso político qualquer, quanto mais um governo ou um partido. Há sempre alguns pormenores, algumas questões que sempre estão em jogo e que permanecem sem solução, seja para capitalistas ou socialistas.
Mas vejamos o célebre texto que ilustrou a caixa de entrada do meu e-mail:
Direita versus Esquerda
Quando uma pessoa de direita não gosta de armas, não as compra.
Quando uma pessoa de esquerda não gosta das armas, proíbe que você as possua.
Compreensível a indignação, visto que é inerente ao que chamamos de esquerda uma valorização menor da liberdade em troca de uma maior distribuição de renda, erro ao meu ver fatal, o maior pecado dos sistemas não-liberais. Mas não é inerente à esquerda ser a favor do desarmamento...
Quando uma pessoa de direita é vegetariana, não come carne..
Quando uma pessoa de esquerda é vegetariana, faz campanha contra os produtos à base de proteínas animais.
Faz algum sentido isso? Quero dizer, TODAS as pessoas vegetarianas de esquerda fazem protesto contra os produtos à base de proteínas animais? E as outras pessoas de direita, centristas, apolíticas não podem ser vegetarianas e repreender as atrocidades cometidas contra os animais nos meios de produção?
Quando uma pessoa de direita é homossexual, vive tranquilamente a sua vida como tal.
Quando uma pessoa de esquerda é homossexual, faz um movimento com alarde para que todos também se tornem homossexuais e os respeitem.
Mesmo migué que o de cima, mas vale a atenção pra um ponto: eu acho legítima a desobediência civil como um direito de resistência ou como forma de protesto. Se um grupo se sente prejudicado ou se acha que merece mais do que aquilo que a constituição lhe garante, tem todo o direito de sair às ruas, gritar, espernear, fazer barulho, interromper o sinal, desde que não se importe em ser taxado de baderneiro e que seja um "protesto honesto", sem violências e sem atitudes desnecessárias, como vandalismo. Um exemplo: parada gay.
Quando uma pessoa de direita é prejudicada no trabalho, reflete sobre a forma de sair dessa situação e age em conformidade.
Quando uma pessoa de esquerda é prejudicada no trabalho, levanta uma queixa contra a discriminação de que foi alvo e vai à Justiça do Trabalho pedir indenização por dano moral (e o pior: ganha!).
O pessoal da esquerda realmente é bastante baderneiro né? Pois eu já vi muito nego meter empresa no pau só pra ganhar dinheiro. E pior que isso, já vi nego ser literalmente explorado. E se vier algum troxa de direita me chamar de marxista, eu digo: nesse ponto, Marx estava certo.
Vou dar um exemplo que eu mesmo vivi. Trabalhava numa empresa maravilhosamente bem estruturada no município de Londrina, empresa essa que não precisarei citar o nome, e eu recebia um salário mínimo para trabalhar 36 horas semanais. E eis que com uma pequena (enorme) frequência meus supervisores me pediam para vir em reuniões fora do meu horário de trabalho. O engraçado é que não era um pedido, era uma chantagem: se eu não fosse, não teria o apoio deles numa possível entrevista para promoção, não teria ajuda para troca de horário ou dia de folga, etc. E a melhor parte: as reuniões, além de fora do horário de serviço, eram contadas como pró-atividade. Em outras palavras, simplesmente não eram remuneradas.
Quando uma pessoa de direita não gosta de um debate transmitido pela televisão, desliga a televisão ou muda de canal.
Quando uma pessoa de esquerda não gosta de um debate transmitido pela televisão, quer entrar na justiça contra os sacanas que dizem essas sandices. Se for o caso disso, uma pequena queixa por difamação será bem-vinda.
Isso é verossímil, digo, alguém já viu isso acontecer? Nem em novela, nem em livro, nem mesmo na televisão. Acho que nem aqueles que evitam falar com "mídias corporativistas burguesas" chegariam a esse ponto.
Quando uma pessoa de direita é ateu, não vai à igreja, nem à sinagoga e nem à mesquita.
Quando uma pessoa de esquerda é ateu, quer que nenhuma alusão a Deus ou a uma religião seja feita na esfera pública, exceto para o Islã (com medo de retaliações provavelmente).
Maravilha, tocou no ponto que eu queria. Eu não me considero de esquerda, e acho um absurdo qualquer alusão a Deus ou a outras divindades e religiões em algumas instituições públicas e políticas. Por exemplo, é ridícula a influência do cristianismo nas leis de um pais, como o Brasil, que proibia a união homoafetiva até pouco tempo atrás, e que (muitos acharão ruim) tem feriados para páscoa, dia da padroeira, natal. Para os mimimi, a lei nº 10.607 declara que 25 de dezembro é um feriado federal. Os outros são considerados, pela lei 9.093 "feriados locais", ou, em outras palavras, "feriados locais que são aceitos só num local: Brasil".
Também acho ridícula a existência de crucifixos em escolas públicas, ou mesmo hospitais públicos com nomes de santos e afins. Ir contra isso não quer dizer que sou contra a alusão de qualquer religião em outras esferas. Uma passeata a favor do cristianismo, embora tediosa, é legítima, tal como uma passeata a favor do ateísmo.
Mas isso envolve sérios problemas. O Estado é laico (ou ao menos é o que deveria ser), e o pluralismo é tão grande que deve-se garantir A PRIMAZIA DA JUSTIÇA sobre concepções particulares de bem. Em outras palavras, eu partilho do ponto de vista que é possível uma formulação elementar sobre o que é justo, e essa formulação não deriva de nenhuma concepção de bem particular, mas as antecede. Explicando de um modo ainda mais simples: um ateu pode ter uma opinião diferente de um cristão num debate sobre penas para homicidas, ou sobre a distribuição de camisinhas no carnaval. Isso não significa que não possamos tratar a ambos com os mesmos princípios de justiça.
Quando uma pessoa de direita, mesmo sem dinheiro disponível, tem necessidade de cuidados médicos, vai ver o seu médico e, a seguir, compra os medicamentos receitados.
Quando uma pessoa de esquerda tem necessidade de cuidados médicos, recorre à solidariedade nacional.
Solidariedade nacional... Podemos substituir o direita e esquerda por rico e pobre? O termo "mesmo sem dinheiro disponível" não foi bem empregado, pois se o Estado se dispõe a oferecer a todos saúde pública (leia-se gratuita) e o indivíduo não tem condições de recorrer a uma consulta particular ou mesmo de pagar pelos seus próprios remédios, deve ele morrer por não ser capaz de comprar sua cura? Ou deve ele rancar dinheiro do cu, tal como fez o carinha da direita ali em cima, e comprar os remédios? Porque é muito interessante esse método, eu gostei bastante: se eu não tenho dinheiro pra comprar uma coisa e eu preciso dessa coisa, a solução simples é pegar dinheiro e comprar essa coisa. Vai entender.
Quando a economia vai mal, a pessoa de direita diz que é necessário arregaçar as mangas e trabalhar mais.
Quando a economia vai mal, a pessoa de esquerda diz que os sacanas dos proprietários são os responsáveis e punem o país.
Não, uma pessoa de direita não diz que é necessário arregaçar as mangas, ao menos não num primeiro momento. Ela diria que isso é um mal necessário: eu penso que uma sociedade capitalista/liberal sai na frente por garantir maior liberdade aos seus cidadãos. A liberdade é que deve ser a prioridade. Quer coisa mais triste que a sorveteria estatal cubana? Imagine você não poder escolher o que comer, o que vestir, aonde ir, o que fazer, como fazer, com quem fazer, quando fazer... Claro, eu particularmente conheço algumas pessoas que se dizem socialistas e que dão grande importância à liberdade, se aproximando muito de um discurso liberal: dois maconheiros, um de direita e um de esquerda, convergem no ponto de acreditarem que o Estado deve interferir o mínimo possível na vida particular do indivíduo.
Bom, após o desabafo, a razão disso. Eu fico indignado com preconceitos e preconceituosos, e como são feitas algumas inferências a partir de dados tão singulares. Esse texto mostra como o pessoal da esquerda é taxado de baderneiro, provavelmente devido à má expressão de algumas pessoas que se intitulam de esquerda. E não são só eles que sofrem, embora eu pareça demasiado compassivo, o mesmo acontece com gays, ateus, maconheiros, etc. Pensar assim não é só pensar de maneira preconceituosa (e burra), é ignorar a realidade dos fatos: a opinião política não determina (tal como tentou provar o queridíssimo acéfalo que escreveu esse texto) qual será o seu caráter, suas ações, seus pensamentos, seus amigos e seu futuro, mas pode (e deve, através da expressão dessas opiniões numa esfera pública) colaborar para a construção de uma sociedade mais justa.